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Roberto Motta

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Debate

Vitória da narrativa: o que muita gente deixou de perceber sobre a PEC da Blindagem

O balanço geral da PEC da Blindagem era positivo, ainda que ela fosse, como toda a legislação aprovada pelo Congresso Nacional, incompleta e imperfeita. (Foto: Fabian Lozano/Unsplash)

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A PEC da Blindagem é um exemplo de tema importante, sensível e complicado que foi discutido de forma incompleta, apaixonada e manipulada. Muita gente –  inclusive analistas e políticos sérios – não conseguiu enxergar o panorama completo da questão. Tentando trazer um pouco de luz a esse debate, listei aqui os principais pontos a serem considerados, com a ajuda de um texto excepcional do meu amigo, o cientista político Jackson Vasconcelos.

O que é a PEC da Blindagem?

PEC da Blindagem foi o nome dado uma proposta de emenda constitucional cuja intenção era restaurar prerrogativas dos parlamentares do Congresso Nacional. Nomes melhores seriam PEC das Prerrogativas ou PEC das Imunidades.

Essa PEC não blindava os parlamentares?

Não. O conceito de blindagem é equivocado e usado aqui de forma injusta. Na verdade, as prerrogativas dos parlamentares são uma proteção essencial para que eles possam exercer a função de representar os eleitores.

Mas as prerrogativas dos parlamentares não são um mal?

Não. As prerrogativas não são um salvo-conduto para que os representantes façam o que eles querem – inclusive cometer crimes. As prerrogativas dos parlamentares são uma garantia dada aos eleitores de que o voto dado ao parlamentar não será arbitrariamente anulado por outro poder da república que esteja insatisfeito com as decisões do Congresso.

As prerrogativas existem para dar aos representantes do povo instrumentos para defender os seus eleitores das investidas do Estado.

Mas se a proteção dos parlamentares, através de prerrogativas, é essencial, por que ela não foi incluída na Constituição na sua criação?

Ela foi. A redação original do artigo 53 assegurava aos parlamentares imunidade material (por opiniões, palavras e votos) e prerrogativas processuais. Mas em 2001 os parlamentares mudaram o artigo 53 através da PEC 35, para permitir que eles pudessem ser processados sem prévia autorização dos demais parlamentares.

Por que os parlamentares fizeram isso?

A mudança foi resultado da pressão da mídia e da conjuntura política da época.

Mas facilitar processos criminais contra parlamentares não é uma coisa positiva?

Se as instituições do país se encontrassem em pleno funcionamento, e investigações e processos nunca fossem usados com finalidade política, a resposta poderia ser um cauteloso sim – embora exista um risco envolvido. Mas no Brasil de hoje, a possibilidade de abertura de processos contra parlamentares vem sendo usada como um instrumento para forçá-los a rejeitar ou aprovar projetos.

A PEC da Blindagem acabaria com o foro privilegiado?

Não. Durante as discussões sobre PEC chegou a ser divulgado que esse era o objetivo principal. Acabando com o foro privilegiado, os deputados deixariam de ser julgados na suprema corte e passariam a ser julgados na Justiça comum, o que reduziria a possibilidade de sofrerem pressões.

Mas, por alguma razão, a PEC não acabou com o foro privilegiado e ainda o ampliou para incluir os presidentes dos partidos.

Quais eram os pontos fundamentais da PEC?

Os pontos centrais da PEC eram: reafirmar a imunidade parlamentar para opiniões, palavras e votos; determinar que a suprema corte só poderia abrir ação penal contra um parlamentar com autorização da Câmara ou do Senado (como determinava o texto original da Constituição de 1988); restringir a prisão em flagrante de parlamentares a crimes inafiançáveis previstos na Constituição; e criar novas hipóteses de recurso às cortes superiores

Que problemas essa PEC poderia criar?

A PEC era um remédio parcial para o principal problema de hoje: o ativismo judicial sem controle. Mas, como diz Thomas Sowell, sabemos por que uma lei é criada, mas ninguém sabe como a lei será usada posteriormente.

O Congresso deveria ser um poder independente, com a capacidade de, inclusive, remover, através de impeachment, integrantes da suprema corte. Mas os parlamentares do Congresso têm os seus processos julgados pela suprema corte. Muitos argumentam que isso torna os parlamentares reféns e faz com que, na prática, seja impossível remover um magistrado da suprema corte, mesmo que ele extrapole suas funções ou cometa atos ilegais. Esse é o problema que a PEC pretendia resolver.

É evidente que a PEC da Blindagem apresentava riscos. Mas os riscos da situação atual são maiores ainda.

Por que tanta gente criticou a PEC?

Porque houve uma discussão confusa e emocional, na qual se esqueceu a razão da existência das prerrogativas parlamentares. Elas não existem para proteger assassinos e ladrões. Elas existem para proteger o voto do eleitor.

A necessidade de autorização do Congresso para abertura de ação penal contra os parlamentares estava na versão original do artigo 53 da Constituição. Restaurar a necessidade dessa autorização significa confiar que o Congresso tem a capacidade de expurgar bandidos que eventualmente surjam entre os parlamentares.

A responsabilidade de eleger um congresso com essa capacidade é do eleitor, e de mais ninguém.

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E a questão da votação secreta?

Havia sido removida do texto final a votação secreta para decisões sobre processos contra parlamentares. Ou seja: na hora de decidir se um parlamentar deve ser processado ou não, os votos dos parlamentares seriam abertos – seria possível saber como votou cada deputado.

Por um lado, isso permite ao eleitor saber como seu representante votou. Por outro lado, isso pode expor o parlamentar a pressões indevidas vindas de outros poderes.

Afinal, a PEC era boa ou ruim?

O balanço geral da PEC era positivo, ainda que ela fosse, como toda a legislação aprovada pelo Congresso Nacional, incompleta e imperfeita. A PEC era um passo na restauração da independência do Congresso Nacional.

O que acontece agora?

A PEC foi aprovada pela Câmara em segundo turno e remetida ao Senado, onde foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça. Curiosamente, o Senado é justamente a casa onde a blindagem era mais importante, para que os senadores fossem protegidos de influências indevidas.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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