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Uma pérola de grande valor
| Foto: Bigstock

Para serem bem aproveitadas, mesmo as melhores coisas do mundo precisam ser apreciadas considerando-se o seu devido valor, isto é, tendo-se em conta todas as dimensões, possibilidades e a profundidade que trazem em si. Do contrário, o que acontece é um grande desperdício, que, aos olhos de quem sabe a sua real serventia ou importância, é um verdadeiro desastre. Para exemplificar, poderíamos citar uma porção de situações inquietantes, como a de um novo-rico botando adoçante num vinho muito refinado, ou de um chimpanzé com um iPhone novo nas mãos, ou, como diz a passagem da Bíblia, a de alguém lançando pérolas aos porcos.

Muito infelizmente, é preciso admitir que é essa a situação em que se encontra a sexualidade hoje em dia, na vida de boa parte das pessoas, para não dizer da maioria. E isso não acontece apenas de uma maneira, quero dizer, a vivência dessa realidade é abordada desde pontos de vista os mais diversos, a depender do grupo a se pronunciar e da sua ideologia, que não passam de maneiras variadas de mal-entender, ou pior, de rebaixar e depreciar algo tão precioso.

O sexo é visto, no mais das vezes, pura e simplesmente como sinônimo de prazer, e como, segundo se crê, não há qualquer motivo para evitar uma oportunidade de ter prazer, não deve haver nenhuma restrição envolvendo as relações sexuais. Associada a essa visão está a de que o sexo seria, também, um terreno de libertação, e que praticar o quanto e como se queira é sinônimo de liberdade e de poder. Ouvimos falar dele, também, como uma oportunidade de conhecimento: conhecer mais pessoas, uma grande diversidade de modos de ser e fazer. Outros, ainda, estão empenhados em associar os desejos sexuais à própria identidade dos indivíduos: aquilo que se prefere, nesse âmbito, equivale àquilo que se é. Por fim, há muita gente que trata o assunto — e aqui estão incluídos muitos médicos e, pior, escolas — como uma questão de saúde: somos animais e precisamos saciar esses instintos, mas tomando o cuidado de evitar a gravidez e as DSTs.

E, diferente do que acontecia com as gerações passadas, para quem esse assunto talvez fosse excessivamente velado — era difícil tocar no assunto dentro do ambiente familiar, e deixava-se que a própria cultura e a estrutura social mantivessem a sexualidade dentro de limites aceitáveis —, no tempo presente essas concepções todas não precisam ser buscadas; ao contrário, nós é que somos buscados por elas, somos bombardeados, soterrados por sugestões, imagens e slogans que as veiculam. E, se não nos contentamos com nenhuma ou pelo menos suspeitamos de que haja algo a mais para além delas, ou de que o assunto talvez merecesse um pouco mais de cuidado, temos de trabalhar, fazer um esforço ativo por lutar contra. Sobretudo naquilo que toca à educação dos nossos filhos.

... poderíamos citar uma porção de situações inquietantes, como a de um novo-rico botando adoçante num vinho muito refinado, ou de um chimpanzé com um iPhone novo nas mãos, ou, como diz a passagem da Bíblia, a de alguém lançando pérolas aos porcos

Não adianta fugirmos do tema ou fingirmos que ele não existe, porque, se nós não os educarmos para que tenham uma valoração justa, uma verdadeira apreciação da sexualidade, o mundo vai educá-los em alguma dessas ideologias. Mais que isso: há instituições e grupos bastante assanhados por fazê-lo. A cultura por si só não supre mais essa regulação dos desejos e impulsos sexuais: ela promove sua desordem e o seu desregramento. Temos, portanto, de superar quaisquer medos, dificuldades e constrangimentos, e trazer o tema para dentro da família, tendo com cada um de nossos filhos um diálogo extremamente personalizado.

Só que nós temos do nosso lado, nessa tarefa, uma verdade muito simples e muito fundamental: a família é mesmo, de fato, o autêntico lugar do sexo. É a família o seu verdadeiro lugar, aquele em que ele pode ser retamente apreciado, em toda a sua riqueza e profundidade, sem desperdício e sem depreciação. É o ambiente propício para que, em vez de jogar as pérolas aos porcos, vivamos o que acontece na outra parábola: “o comerciante, tendo encontrado uma pérola de grande valor, vai, vende tudo o que tem, e a compra...”. Vou tentar explicar por quê.

O que está por trás ou no fundo dessas perversões da realidade do sexo é uma visão capenga sobre o que realmente seja o ser humano, uma obscuridade sobre a nossa própria natureza. As abordagens que tratam tão-somente do aspecto biológico da sexualidade, da parte que temos em comum com os animais, acabam estimulando as pessoas a realmente permitirem que seus impulsos e instintos as dominem e rejam suas decisões e sua vida. Mas o ser humano, que não é um mero animal, quando tenta se comportar como um acaba se transformando numa coisa ainda pior, e é então que têm vez todas as teorias seguintes, que o arrastam para um culto do erotismo, do próprio ego, enfim, que compelem as pessoas a terem corações pequenos, mesquinhos e ensimesmados. Nós não podemos jamais perder de vista a nossa dimensão espiritual, e nos esquecer daquilo que realmente somos, de nossa natureza completa, que não se resume ao biológico e animal. E essa nossa dimensão espiritual se manifesta e pode ser vislumbrada no exercício de suas duas faculdades, que não estão presentes nos outros animais: nos atos da inteligência, mas sobretudo, para o que estamos tratando aqui, nos atos da vontade, quer dizer, da nossa capacidade (que nós temos, embora estejamos desacostumados a usar) de fazer ações verdadeiramente livres, contrariando, se preciso, os desejos e os impulsos que vêm de outras partes de nós, e assim, de escolher segundo uma hierarquia, o que vale mais antes do que vale menos. É essa faculdade, é esse poder do nosso espírito que nos permite amar, que nos dá a possibilidade de nos doarmos a nós mesmos, num gesto de generosidade em que parece que nos perdemos ou nos anulamos, mas no qual acabamos nos tornando mais nós mesmos e sendo profudamente felizes. É para isso que o nosso coração foi criado. E, agora, eu devo dizer de uma vez: a sexualidade participa desse amor.

A doação mútua de um homem e uma mulher no ato sexual é um símbolo excelente, é como que uma encarnação do amor que eles têm um pelo outro ao doarem sua própria vida inteiramente. É por isso que o lugar apropriado do sexo é a família. Desassociar a função sexual do dom de si mesmo, do amor, como tanta gente quer, nada mais é do que tentar apreciá-la desconsiderando o seu devido valor e, portanto, é não saber aproveitá-la. Uma vez que o ser humano é um composto de corpo e alma, o amor humano, que brota do espírito, abarca o corpo, e o corpo, por sua vez, exprime o amor espiritual. Vejam, o nosso corpo, que se parece tanto com o dos outros animais, é capaz de exprimir aquilo que, no ser humano, existe de mais elevado e que é imortal. O amor humano é a um só tempo corporal e espiritual, pois o ser humano é um corpo informado por um espírito imortal. O corpo participa desse amor espiritual, do dom de si, da abertura para algo muito maior que a própria corporeidade.

A cultura por si só não supre mais essa regulação dos desejos e impulsos sexuais: ela promove sua desordem e o seu desregramento

E esse gesto só se realiza de maneira plenamente humana quando é parte integrante do amor em que um homem e uma mulher se empenham totalmente, e se doam um para o outro, até o fim da vida. É necessário que seja assim: o amor verdadeiro envolve o ser humano por inteiro, sem reservas indevidas nem cálculos egoístas que objetifiquem a outra pessoa. Quando amamos de verdade, desejamos dar tudo: amamos o outro para o seu próprio bem, não apenas para o nosso, que apenas resulta desse amor. Quem ama verdadeiramente não ama apenas aquilo que recebe da pessoa amada: ama-a por si mesma, pelo simples fato de ela ser quem é. Como dizia Nelson Rodrigues: “Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor”. O amor humano não é um amor de cães e gatos. Rebaixamos e humilhamos o amor ao afirmar que ele não é eterno, que a alegria termina quando começam as dificuldades, os contratempos, quando aparecem os problemas físicos e morais... Este é um amor de mentira, um amor falso, é mais um egoísmo escondido sob o manto dos bons sentimentos. O amor humano é fiel e exclusivo. Não é possível amarmos alguém se ainda consideramos a possibilidade de, a qualquer momento, começar a amar outra pessoa da mesma maneira. Fidelidade não se resume a não ter outros parceiros; trata-se, na verdade, de uma estabilidade construída nos mínimos detalhes da relação, mediante um esforço de ambos os lados. Quanto mais dom de si, mais amor; quanto menos dom de si, menos amor. E esse amor, enfim, é fecundo: a vida é um dom que recebemos para que o possamos, novamente, doar. O relacionamento entre duas pessoas acontece, sim, para que haja conhecimento recíproco, mas ele não se esgota em si mesmo: transborda. O dom mútuo de um homem e uma mulher é tão grande que se funde, torna-se um e, depois de nove meses, recebe um nome — é alguém, outro alguém que também será capaz de amar.

É bastante certo que uma criança que se desenvolva num ambiente assim acabará por entender mais facilmente o que é essa doação total e, quando crescer, será muito mais claro para ela como doar-se do mesmo modo se tiver sido testemunha da força, da firmeza e da constância do amor de seus pais. E por isso muitos pais, tão logo ficam maravilhados com o vislumbre dessa magnitude, ficam rapidamente apavorados, angustiados por não terem isso a oferecer aos filhos.

Não tema. Não renuncie à tarefa de educar a sexualidade de seus filhos por medo, por se julgar incapaz, por ficar envergonhado do fato de, talvez, ter vivido experiências muito diferentes e opostas àquilo que agora deseja para eles. Repare que, para além, para muito além do amor humano, um amor infinitamente maior nos abarca e, apesar de tudo, eis aí, de pé olhando para você, como o amor divino se aproveitou do seu torto desamor. Ainda é tempo; não perca a oportunidade de, mergulhando nos próprios olhos do seu filho, adentrar o mistério e, aos poucos e com a devida paciência, ir purificando e elevando a sua própria compreensão da sexualidade, e tornando-se cada vez mais capaz de narrar para ele, como tão bem os chamou o casal Scherrer, “os mistérios gozosos da vida”.

Porque o sexo — o verdadeiro —, a despeito de tudo o que fazem para malbaratá-lo, desde os colegas do recreio até as grandes instituições, das sugestões sorrateiras aos outdoors gigantes, a despeito, em suma, de todos os porcos que só querem prazer, o sexo continua sendo uma pérola brilhante, capaz de refletir, sob a luz da verdade e para os olhos de quem queira ver, o sacrifício, a entrega, o verdadeiro amor humano, o milagre da criação e da vida. Se formos capazes de ensinar nossos filhos a o apreciarem considerando o seu verdadeiro valor, então eles poderão exclamar, como naquele antigo hino: “Oh, que pérola de grande valor! Tu a encontraste? Destes tudo por este tesouro? Sim, eis toda a minha felicidade, minha alegria e minha paz”.

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Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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