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Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Plenário do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Em Marbury v. Madison, de 1803, a Suprema Corte norte-americana atribuiu-se o poder de revisão de constitucionalidade das leis. Com o argumento singelo de que é a província própria do Judiciário dizer o que é o Direito, caberia a ela resolver conflitos entre a lei a Constituição, optando pela prevalência desta. Para afirmar a tese, o então presidente da Suprema Corte, John Marshall, escolheu a dedo um caso no qual o resultado de mérito era favorável ao governo federal, evitando qualquer oposição.

Desde a primeira Constituição republicana, de 1891, importamos o controle judicial de constitucionalidade dos Estados Unidos, sob a influência de Rui Barbosa e devido ao prestígio norte-americano de então. Após a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal foi fortalecido, assim como o controle judicial de constitucionalidade. Também a Emenda Constitucional 45/2004 seguiu essa tendência, de concentração e ampliação dos poderes do Supremo.

Rever a constitucionalidade de uma lei é um poder enorme. Os membros do Legislativo representam o povo; afinal, são por ele eleitos. Assim, a lei é a expressão da vontade popular. Ainda que a transformação da vontade do povo em lei seja um procedimento imperfeito, trata-se do melhor mecanismo disponível para que a população possa se expressar em uma democracia representativa. Invalidar uma lei é, de certa forma, anular a expressão popular.

A possibilidade, hoje existente, de um ministro do STF suspender, por decisão monocrática, uma lei aprovada pelo Congresso é uma anomalia, não encontrável no modelo norte-americano da revisão judicial ou em qualquer outro modelo

Ainda que a revisão judicial das leis tenha bons argumentos em seu favor, como a necessidade de se preservar a Lei Maior e os direitos fundamentais mesmo contra a vontade da maioria, nenhum poder está imune a limites.

Na semana passada, o Senado, após longo debate, resolveu aprovar a PEC 8/2021 – de autoria, aliás, do senador paranaense Oriovisto Guimarães. Nada tem o texto de excepcional. A emenda fortalece o Plenário do Supremo Tribunal Federal e reforça o caráter colegiado do órgão, ampliando a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões.

A PEC apenas proíbe que leis sejam suspensas pela decisão de um único ministro do STF. Excepcionalmente, admite que uma decisão monocrática possa ser proferida em recesso judiciário, mas ela deve ser submetida ao plenário tão logo retomados os trabalhos da corte, sob pena de perda de eficácia.

A possibilidade, hoje existente, de um ministro do STF suspender, por decisão monocrática, uma lei aprovada pelo Congresso é uma anomalia, não encontrável no modelo norte-americano da revisão judicial ou em qualquer outro modelo. Trata-se de uma extravagância do modelo brasileiro.

Ministros do STF não são melhores que senadores e deputados, e vice-versa. Um senador não pode aprovar ou revogar leis monocraticamente. A aprovação de um projeto de lei é uma ação coletiva, que depende do colegiado. Não há justificativa para atribuir a um ministro do STF poderes para derrubar monocraticamente uma lei aprovada pelo Congresso.

Votei a favor da PEC 8/2021, juntamente com outros 51 senadores. A PEC teve apoio suprapartidário, com votos da oposição e da base do governo, de partidos de direita, de esquerda e de centro.

Um texto que fortalece o Plenário do STF não pode ser interpretado como uma busca de enfraquecimento da corte

Alguns viram na PEC uma retaliação ao STF. O texto da emenda constitucional não contém nada disso. Sim, houve alguns discursos inflamados e comentários exagerados. No entanto, não se pode confundir intenções e percepções de alguns com a real expressão do texto. Ele mesmo nada tem de afronta ao STF. Um texto que fortalece o Plenário do STF não pode ser interpretado como uma busca de enfraquecimento da corte.

Eu, que, como os demais senadores do Paraná, votei a favor da PEC 8, sei da importância do STF para a democracia constitucional e sou particularmente contrário a iniciativas que agridam a sua independência ou a do Judiciário. Neste caso, porém, é de mero aperfeiçoamento e equilíbrio institucional que se trata.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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