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Perdendo a guerra contra o crime
| Foto: Steve Buissinne/Pixabay

As vidas de Paulo e de Alcides estavam destinadas a se cruzar de uma forma trágica.

Alcides Medeiros está vinculado a vários episódios criminais. Aparentemente, faz do crime e da violência seu modo de vida, além da conexão ao mundo das drogas. Paulo Torres era um juiz de 69 anos, então titular da 21.ª Vara Cível de Recife, com longa carreira no Judiciário, tendo ingressado, por concurso público, em 1989. Segundo informações do Tribunal de Justiça de Pernambuco, era conhecido por Paulão e “era muito querido por todos que fazem o Judiciário pernambucano”.

No dia 19 deste mês, o juiz Paulo resolveu caminhar pela Praia do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho. Ao retornar para sua casa, em Jaboatão dos Guararapes, de carro, seu veículo foi abordado por três indivíduos, um deles Alcides Medeiros. Embora os fatos ainda estejam sendo apurados, o juiz foi alvejado por um tiro disparado pelo grupo e faleceu em seguida. Nenhum de seus pertences foi levado pelo grupo. Ainda se apura se o juiz foi vítima de uma execução contratada ou de latrocínio.

Seria mais uma das mortes trágicas que ocorrem diariamente no Brasil em decorrência da violência criminosa. Dois fatos geraram maior atenção para o caso. O primeiro, a condição de juiz da vítima, o que levantou suspeitas de que o crime poderia ser alguma retaliação por sua atividade de juiz. Antes do fim das investigações, não é possível descartar tal hipótese. O segundo, o fato de um dos algozes, Alcides, já ter sido denunciado por homicídio qualificado perante a Justiça pernambucana. Segundo notícias divulgadas pela imprensa, foi ele denunciado por ter participado de outro homicídio em janeiro de 2022 – desta feita, de uma mulher, com requintes de crueldade. Ele e outros dois indivíduos seriam responsáveis pelo assassinato de Fabrynny Higo, na Praia de Gaibu, em decorrência de uma discussão sobre drogas. A mulher teria sido morta de maneira covarde e cruel, mediante “espancamento com pedaços de madeira e pedradas”. Alcides foi qualificado como membro de um grupo criminoso na região.

Se Alcides tivesse sido preso preventivamente em abril de 2023, talvez o juiz Paulo Torres não tivesse sido assassinado em outubro do mesmo ano

O Ministério Público havia requerido a prisão preventiva de Alcides pelo assassinato da mulher e pela vinculação com o crime organizado. No entanto, ainda em abril de 2023, a prisão foi negada pelo juiz do caso. Apesar de ele reconhecer a presença de provas e a própria crueldade do assassinato, não teria, segundo ele, restado “materializado o princípio da atualidade (ou contemporaneidade), uma vez que consta dos autos que o crime foi consumado em 15/01/2022, ou seja, já decorreram quase 15 meses desde a suposta prática do crime”.

Embora a fundamentação cause surpresa ao leitor comum, ela até encontra alguma base legal no que dispõe o §1.º do artigo 314 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece que a prisão preventiva tem de se basear em “fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Esta norma foi introduzida pelo Congresso Nacional em 2019 no CPP com o intuito de dificultar prisões em crimes de corrupção, como uma reação à Lava Jato. Eu era ministro da Justiça na época, mas não consegui evitar essa alteração legislativa extravagante, sem correspondente em qualquer legislação estrangeira.

Entendo, particularmente, que o juiz errou e devia ter decretado a preventiva, já que os fatos indicavam que Alcides era um criminoso perigoso e que, se não encontrasse barreiras, voltaria a delinquir. Ainda assim, também errou o legislador em 2019, pois “textos revidam” e enfraquecer o combate ao crime com normas extravagantes cobra o seu preço de maneiras imprevistas.

Fico imaginando que, se Alcides tivesse sido preso preventivamente em abril de 2023, talvez o juiz Paulo Torres não tivesse sido assassinado em outubro do mesmo ano.

O caso serve como exemplo para a equivocada política ultragarantista do governo federal e que infelizmente também contamina parte de nosso Judiciário.

Enfrentamos crises de segurança na Bahia e no Rio de Janeiro. Antes, neste mesmo ano, o Rio Grande do Norte também enfrentou desafios. Não é hora de contemporizar com criminosos e adotar políticas ou tomar decisões que os favoreçam. Descriminalização, despenalização e desencarceramento não funcionam para diminuir a criminalidade. O poder vai até onde encontra limites. Isso é verdadeiro também em relação ao poder dessas quadrilhas criminosas. Se elas não encontrarem barreiras, irão se fortalecer ao custo de vidas e patrimônio das vítimas. É necessário aumentar o rigor, na forma da lei, sem bangue-bangue ou ilicitudes, mas simplesmente aplicar a lei.

A impressão que se tem é de que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública está dominado por pessoas que entendem que combater o crime é uma política de opressão social, uma visão há muito tempo ultrapassada

O principal responsável pela segurança é o governo federal, que tem de dar o tom no combate ao crime. Infelizmente, hoje o Ministério da Justiça e Segurança Pública está omisso ou perdido, com os postos-chave ocupados por pessoas que não entendem de segurança pública. Pior: a impressão que se tem é de que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública está dominado por pessoas que entendem que combater o crime é uma política de opressão social, uma visão há muito tempo ultrapassada. Como se não bastasse, a prioridade do governo parece ser a de policiar as redes sociais ou de investigar adversários políticos, deixando o crime organizado em segundo plano.

Agora, o Judiciário também tem a sua responsabilidade e precisa ser mais rigoroso na interpretação e aplicação da lei. O assassinato do juiz em Pernambuco é ilustrativo. Uma decisão errada, de deixar em liberdade um assassino acusado, gerou uma nova vítima. Certamente, não se pode generalizar. Há juízes mais rigorosos. Em um cenário de sucessivas crises de segurança e do aumento da criminalidade, o que se espera é que todos sejam mais sensíveis à necessidade de rigor antes que seja tarde demais. Isso não significa flexibilizar a presunção de inocência. A exigência de prova robusta é uma condição necessária antes da tomada de qualquer medida contra alguém investigado ou acusado por crime. Preenchida essa condição, as cortes podem ser incisivas em suas decisões ou sentenças.

O Brasil precisa de uma reviravolta em sua política criminal. Por conta disso, elegi, como prioridade no meu mandato como senador, o fortalecimento da segurança pública. No contexto atual, é remar contra a maré, mas é um movimento necessário. O crime não pode vencer o Brasil.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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