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Quando africanos e europeus se tornaram “irmãos”
Quando africanos e europeus se tornaram “irmãos”| Foto: wikimedia commons

Se não explodir uma terceira guerra mundial provocada pelo imperialismo russo de Putin, vivemos na melhor época da humanidade, disparado. Apesar de graves problemas que ainda precisam de solução, a humanidade nunca viveu tanto e tão bem quanto no século XXI. É importante lembrarmos disso porque consideramos tantas coisas como garantidas hoje que nem paramos para pensar o quanto muitas delas ainda são frágeis. E entre essas, uma se destacará nessa coluna: a liberdade.

Durante todos os períodos da história humana, “liberdade” sempre foi uma palavra muito relativa: tudo dependia do bom humor de quem dominasse você naquele dia. E obviamente o continente que mais perdeu a “liberdade” foi o continente africano. Esse terror subsaariano foi inaugurado pelos muçulmanos que escravizaram e removeram de lá muitos milhões de africanos, levando à morte a outros tantos milhões durante a sofrida travessia até o mundo muçulmano, como mostra a obra do renomado professor Paul E. Lovejoy, na sua obra Transformations in Slavery (Transformações na Escravidão): “Inicialmente os escravos eram prisioneiros capturados pelas guerras santas que espalharam o islã da Arábia até a África.”

Quando os portugueses iniciaram as Grandes Navegações, também tinham uma missão “santa” outorgada pela bula papal “Dum Diversas” que lhes permitia “conquistar e escravizar” os sarracenos e pagãos das novas terras descobertas. Mas, curiosamente, quando o primeiro português pisou na região chamada de Reino do Congo, percebeu que não precisaria fazer guerra nenhuma ali: o rei africano estava de braços abertos para aceitar Jesus em troca das novidades que os europeus levavam.

Esse navegador português “sortudo” era Diogo Cão, e esse rei curioso e receptivo era Nkuwu Nzinga I. Eles se encontraram pela primeira vez em 1482; e, de acordo com as crônicas primarias da época, como a Monumenta Missionaria Africana, foi um encontro amistoso e frutífero para os dois lados. Em pouco tempo o rei já se converte ao cristianismo e adota o nome de João I, e seu filho Afonso I começa a espalhar o cristianismo por todo o reino. Aprendem o idioma português, como podemos ver nas cartas trocadas entre os reinos, e se tornam católicos fervorosos.

Afonso I do Congo queria ter acesso aos armamentos, roupa e tecnologia europeia, que trariam um poder e prestígio inimagináveis para ele no território africano. Em troca, oferecia algo que os portugueses queriam muito, mas ainda não sabiam como conseguir: escravos.

Essas cartas mostram para todos nós uma relação amistosa e de interesse dos dois lados: Afonso queria ter acesso aos armamentos, roupa e tecnologia europeia, que trariam um poder e prestígio inimagináveis para ele no território africano. Em troca, os africanos ofereciam algo que os portugueses queriam muito, mas ainda não sabiam como conseguir: escravos. Isso devia ser um dilema para os portugueses mesmo, porque o reino do Congo tinha cerca de 2 milhões de habitantes, o dobro do reino de Portugal, que àquela época não tinha mais do que 1 milhão. Para piorar, os portugueses não tinham mais do que algumas dezenas de homens à sua disposição. Então, invadir o interior africano e escravizar à força não parecia ser uma estratégia inteligente. Assim, a oferta de Afonso I aos portugueses era algo em que o reino de Portugal não podia acreditar: eles teriam um parceiro formidável no suprimento e comércio de escravos.

Mas passam-se anos até o comércio ser mencionado de fato. Na carta de 5 março de 1512, o Rei Afonso do Congo se dirige ao Rei Manuel de Portugal agradecendo pelas armas enviadas por este chamando-as de “as armas de Cristo” que levariam o evangelho aos pagãos. Na carta de 31 de maio de 1515, vemos o Rei Afonso pedindo carpinteiros e pedreiros para a construção de uma escola. Até aqui, nada de extraordinário: apenas descrições de uma amizade entre dois reis. Mas é na carta de 5 de março de 1516 que vemos pela primeira o comércio escravista ser mencionado, e a partir daí, ele não pararia mais: Afonso I diz que envia de "presente ao rei de Portugal um navio carregado com 400 peças", que era o termo técnico para se referir a escravos.

Então a partir daqui, senhoras e senhores, vemos o início de uma das maiores tragédias humanitárias que o mundo já viu. E como vamos ver na próxima coluna, essa cooperação entre europeus e africanos nesse comercio odioso seguiria firme e forte nos séculos seguintes.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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