Como Stálin falsificou os censos para esconder a fome soviética

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O resultado do censo de 1937 tirou o sono de Stálin: como vimos na coluna anterior, o número populacional ficou em 19 milhões abaixo do esperado pelo governo soviético. Isso foi péssimo para Stálin porque ele estava no meio dos seus ataques à “oposição de direita”, prestes a prender o seu maior rival, Bukharin, que desde o início das coletivizações foi contra aquele atentado terrorista stalinista sabendo que seria uma tragédia... E o pior de tudo: o censo estava ali para provar que a oposição de direita estava certa o tempo todo.

Olha o que o professor Wheatcroft, que estamos estudando nestes artigos, no seu estudo "Soviet Statistics under Stalinism: Reliability and Distortions in Grain and Population Statistics" (2019) (Estatísticas soviéticas sob o Stalinismo: confiabilidade e distorções nas estatístiticas de população e de grãos) diz na página 1027: “Este não era um momento em que eles queriam reconsiderar seriamente se a 'oposição da direita' poderia estar correta por ter aconselhado mais cautela e se houve uma grande catástrofe demográfica.” E aí, qual foi o esquema que o governo fez? O novo diretor do Comitê de Controle Estatal disse que o censo foi falsificado. Então eles resolveram a situação com aquele jeitinho bolchevique de ser: o professor Wheatcroft explica, na mesma página, que “eles prenderam o chefe do departamento estatístico em maio, acusaram o cara de 'agitador' (típico da propaganda soviética: culpar os outros pelos seus erros), e mataram-no. O outro responsável pelo censo, Krumam, foi preso em agosto e enviado para um campo de concentração.” É são aqueles excecinhos soviéticos né? Mas no final, sabe o que eles fizeram com o censo? Cancelaram de novo o censo, dizendo que ele era defeituoso e seria feito um novo em 1939.” E aí, o que você acha que é mais transparente: União Soviética ou petróleo?

No discurso que Stalin fez no 28º Congresso do Partido em março de 1939, quando divulgou esse censo, disse que foi a Gosplan que tinha criado essa falsidade

Mas calma que finalmente o censo de 1939 chegou, e dessa vez vai dar certo, confia! O responsável por esse registro da morte foi o Sr. Popov, que já de cara avisou que se fizessem o censo de 1939 ia dar "ruim" do mesmo jeito que os outros. Só que ele avisou que o responsável pelos números trágicos não seria do censo, e sim da Gosplan, por registrar estatísticas e planos falsos. Que homem, senhores, que homem! E ele estava certo. De novo o censo foi muito parecido com o fiasco de 1937: 167,3 milhões de pessoas. Só que agora o censo foi aceito com mais tranquilidade, sabe por quê? Porque Stalin já tinha matado ou prendido todos os seus inimigos do partido, os caras da “oposição da direita” já tinham sido eliminados, então não poderiam mais dizer que estavam certos o tempo todo.” Viu que ambiente gostoso, sadio, transparente e confiável que o comunismo proporcionou na União Soviética?

Mas se você acha que a União Soviética publicou os 167 milhões, desculpa, mas você não sabe de nada! Eles fizeram o "ínfimo" e "superficial" acréscimo de 3 milhões de pessoas no censo: o número final foi do censo de 1939 foi de 170.3 milhões de pessoas. Reflitamos aqui por um momento: temos que dar os parabéns pra Stálin por essa "leve" alteração, porque se tratando de Stálin e comunistas, uma falsificação de 3 milhões foi até pouco... Eles poderiam ter falsificado tudo, ora: podiam ter colocar 1 bilhão de pessoas na Rússia, e você ia falar o quê? Pra vocês verem que, quando eu tenho que elogiar, eu elogio!

Mas Stalin foi canalhinha e hipócrita de outra forma também. No discurso que ele fez no 28º Congresso do Partido em março de 1939, quando divulgou esse censo, disse que foi a Gosplan que tinha criado essa falsidade de que o crescimento foi de 3 a 4 milhões de pessoas. De novo, comunistas jogando suas besteiras para cima dos outros. Mas o professor mostra a real sobre Stalin na página 1033: “Qualquer um que olhasse para o registro veria que não foram apenas 'alguns trabalhadores da antiga Gosplan' que promoveram a ideia de um crescimento anual de três milhões por ano; o próprio Stalin disse isso repetidamente, acrescentando que ‘a vida estava melhorando, a população crescia rapidamente’ na primeira reunião dos estacanovistas em 17 de novembro de 1935 (Stalin 2007, p. 86), e que todos os anos uma população 'do tamanho da Finlândia' (ou seja, 3,5 milhões) estava sendo acrescentada à URSS na Conferência dos Ceifadores em 1 de dezembro de 1935 (Stalin 2007, p. 102)."

Ou seja: quem estiver com a cabeça vazia, pensando que o comunismo seria uma boa, lembre-se de que os chefões vão fazer as besteiras deles e a culpa vai ser sua, camponês... E reclame para ver só! Olha que eu ainda não terminei de contar tudo...

Thiago Braga

Thiago Braga é especialista em História da Guerra e Ciências Humanas: História, Filosofia e Sociologia pela PUCRS, Literatura Europeia e Língua Inglesa pela PUC Rio. Ele também é youtuber e criador dos canais “Brasão de Armas” e “Impérios AD”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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