Pessoas olham para o céu atrás do sinal prometido pela Virgem Maria em 13 de outubro de 1917, em Fátima. (Foto: Illustração Portugueza)| Foto:

Ontem os católicos comemoramos os 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, no Rio Paraíba do Sul, onde hoje fica a cidade de Aparecida (SP). Se essa foi uma festa especialmente brasileira, hoje católicos do mundo inteiro recordam o centenário de um acontecimento extraordinário ocorrido em Portugal: o “Milagre do Sol”, durante a última aparição da Virgem Maria a três pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco, na vila portuguesa de Fátima.

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As aparições tinham começado em maio de 1917, e em 13 de outubro daquele ano dezenas de milhares de pessoas foram a Fátima, atraídas pela notícia de que Nossa Senhora havia prometido um grande sinal para aquele dia. Não apenas devotos, mas jornalistas, professores universitários e céticos prontos a desqualificar o evento também estavam presentes. Transcrevo aqui a descrição do escritor norte-americano William Thomas Walsh em seu livro sobre as aparições de Fátima (Walsh não estava em Fátima no dia do milagre, mas conversou com pessoas que estiveram lá, e com a própria Lúcia):

“O sol brilhava no zênite como se fosse um imenso disco de prata. Brilhava com a intensidade normal, e no entanto podia ser fitado sem que ofuscasse. Isso durou apenas um instante. Enquanto todos olhavam assombrados, a imensa bola começou a ‘dançar’: esta foi a palavra com que todos os observadores a descreveram. Primeiro, viram-na girar rapidamente, como uma gigantesca roda de fogo. Depois de um certo tempo, parou. A seguir, voltou a girar sobre si mesma, vertiginosamente, numa velocidade incrível. Finalmente, os bordos tornaram-se escarlates e espalharam-se pelo firmamento, espargindo chamas vermelhas de fogo, como um redemoinho infernal. Essa luz foi-se refletindo na terra, nas árvores, nos arbustos, nas próprias faces voltadas para cima e nas vestes, tomando tonalidades brilhantes e cores diferentes: verde, vermelho, laranja, azul, violeta, as cores todas do espectro solar. Girando loucamente sob essa aparência, por três vezes, o globo de fogo pareceu agitar-se, estremecer e depois precipitar-se em ziguezague sobre a multidão. (…) Isso durou talvez uns dez minutos. Logo depois, viram todos o sol começar a elevar-se da mesma maneira, em ziguezague, até ao ponto onde havia aparecido antes. Ficou então tranquilo e brilhante. Ninguém mais lhe pôde suportar o fulgor. Era novamente o sol de todos os dias.”

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Desde então, não faltam explicações e tentativas de validar ou desacreditar os relatos. Se por um lado nenhum observatório astronômico relatou nada de incomum naquela data, e nem todos os que estavam na Cova da Iria disseram ter visto todos os fenômenos descritos (houve mesmo pessoas devotas que afirmaram não ter visto nenhum movimento do sol), por outro lado mesmo céticos e pessoas que estavam a até 20 quilômetros de Fátima relataram ter visto coisas fora do normal (ou seja, podemos descartar um fenômeno em massa de autossugestão por parte dos devotos), e há relatos de que, durante o evento, roupas e o chão, que estavam molhados devido à chuva que caía antes do milagre, terem ficado completamente secos (você pode ler aqui vários relatos de pessoas que estavam em Fátima na ocasião).

O padre Stanley Jaki, uma grande referência no trabalho sobre ciência e fé, escreveu um livro apenas sobre este evento. Não tive a oportunidade de lê-lo, mas Stacy Trasancos, estudiosa do trabalho do padre Jaki, publicou um artigo quatro anos atrás em que resume as conclusões do sacerdote. Jaki conclui que, naquele dia, os espectadores na Cova da Iria presenciaram não exatamente um movimento solar, mas uma combinação única (tão única e irrepetível que, sim, Jaki a considera milagrosa) de fenômenos físicos: a presença de cristais de gelo nas nuvens e a interação entre uma massa de ar frio e outra quente. “Claramente, o ‘milagre’ do sol não foi um mero fenômeno meteorológico, ainda que raro. Do contrário, teria sido observado antes ou depois, independentemente da presença de multidões devotas. Eu apenas alego, como fiz em outros escritos meus sobre milagres, que ao produzi-los Deus frequentemente usa um substrato material e aumenta muito seus componentes físicos e suas interações. De fato, pode-se dizer, ainda que não da forma como alguns que escrevem sobre Fátima fazem, que os dedos da Mãe de Deus brincaram com os raios do sol naquela hora extraordinária, em Fátima”, diz Jaki em sua autobiografia.

Um outro artigo interessante saiu em 11 de maio deste ano, às vésperas do centenário da primeira aparição, no Catholic Herald. O padre (e especialista em física de partículas) Andrew Pinsent, diretor do Ian Ramsey Centre for Science and Religion da Universidade de Oxford, se pergunta: um cientista pode levar a sério o Milagre do Sol? E responde: por que não? Pinsent explica que muitas vezes temos uma compreensão errada do conceito de milagre, entendido de forma simplista como uma quebra das leis da natureza. O pulo do gato é que as leis da natureza descrevem o funcionamento de sistemas simples e isolados, mas eles estão sujeitos à intervenção de agentes livres, inclusive de um agente todo-poderoso. “Portanto, da perspectiva das leis científicas, não há um problema real com os milagres, porque descrever como um sistema funciona na ausência de intervenção não diz nada sobre se uma intervenção ocorre ou pode ocorrer”, afirma.

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Mas, para Pinsent, há um outro modo de entender mal os milagres, que é buscar explicações naturais que reduzem o milagroso ao providencial. Essa afirmação parece, à primeira vista, bater de frente justamente com a explicação que Jaki oferece para o Milagre do Sol, mas podemos alegar que também Jaki aceita uma intervenção divina que “reforçou” as propriedades/características/interações do que quer que estivesse envolvido no episódio. Difícil saber, porque Pinsent não cita em nenhum momento a explicação fornecida por Jaki. Tampouco dá a sua hipótese para o que houve naquele 13 de outubro, limitando-se a dizer que tudo o que sabemos sobre o episódio é compatível com um “milagre público dos mais extraordinários”. Fica a impressão de que Pinsent admite que houve algo mais do que simplesmente um processo de ilusão de ótica, mas o quê? Até tentei falar com ele nos últimos dias para saber um pouco mais, mas não tive resposta.

Embora eu ache a explicação de Jaki bem convincente, eu tendo a acreditar que houve algo mais ali, e nisso acho que me inclino mais para a posição de Pinsent. Agora, que algo mais é esse, aí já não sei dizer.

(Aviso: O Ian Ramsey Center, citado neste post, já bancou a viagem do blogueiro a eventos internacionais de ciência e religião em 2011, 2013 e 2017)

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