• Carregando...
A goleada dos anglicanos
| Foto:

Quando eu era adolescente, lá no século passado, fui convocado para integrar a equipe de xadrez da cidade onde cresci (São José dos Campos, SP) em uma edição dos Jogos Abertos do Interior. Como atletas, podíamos entrar em qualquer competição como espectadores, e uma noite dessas resolvemos ver o time de basquete do Leite Moça, que tinha Paula, Hortência, Karina, enfim, um timaço. Elas jogaram contra um time de Guarulhos, e o resultado foi alguma coisa do tipo 192 a 30. Já neste século, em 2006 trabalhei como voluntário nos Jogos Olímpicos de Inverno de Turim, na Itália, e (dessa vez pagando ingresso) vi o time de hóquei feminino do Canadá massacrar as italianas por 16 a 0. Era a maior goleada da história olímpica até algumas semanas atrás, quando as mesmas canadenses fizeram 18 a 0 na Eslováquia, em Vancouver.

Essa breve sessão “recordar é viver” sobre massacres esportivos serve para introduzir uma outra goleada, dessa vez ocorrida no Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, mês passado. Conta o The Guardian que, por 241 votos a 2, foi aprovada uma moção declarando que a ciência e a religião são compatíveis. Obviamente os problemas causados por fundamentalistas religiosos e cientificistas não são resolvidos na base da canetada: não é porque o Sínodo votou assim que todo anglicano britânico vai, de repente, abraçar essa ideia. A votação é mais uma mensagem aos fiéis, o que não dispensa o trabalho valioso de anglicanos como os reverendos John Polkinghorne, sobre quem falamos um pouco no mês passado, e Keith Ward.

Hans Musil / Wikimedia Commons
A catedral de Canterbury, sé do arcebispo primaz da Comunhão Anglicana.

Em Curitiba existe uma diocese anglicana, embora a relação com a Igreja da Inglaterra não seja de subordinação. Na verdade, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) é uma província da Comunhão Anglicana, da qual a Igreja da Inglaterra também faz parte. O arcebispo de Cantuária, embora seja o primaz de toda a Comunhão Anglicana, não tem poder sobre nenhum anglicano fora de sua diocese (ao contrário do Papa em relação aos católicos). Mesmo assim, a decisão do Sínodo Geral foi bem recebida por aqui. O reverendo Luiz Caetano Grecco Teixeira é presbítero da diocese anglicana do Rio de Janeiro, além de ser formado em Física e Matemática, com pós-graduação em Estatística. “Minha conversão não afetou a relação que tenho com a ciência. Dentro de mim há um diálogo muito rico entre a minha fé e a minha formação científica. Não tenho nenhuma dificuldade em crer na Bíblia como revelação de Deus e ter no conhecimento científico uma forma de compreender o mundo e o universo”, afirma, ressaltando que suas declarações são todas opiniões pessoais, e não da IEAB. O bispo anglicano de Curitiba, dom Naudal Gomes, concorda. “O conhecimento – em todas as suas áreas e ciências – é dom de Deus e, como tal, deve contribuir para uma melhor compreensão da vida, do mundo, de nós mesmos e nossas relações, o que nos fortalecerá ainda mais em nossa fé e nossa coerência no ser e viver o Cristianismo”, diz.

Os anglicanos em geral, pelo menos no Brasil, na América do Norte, na Europa e na Oceania, diz o reverendo Caetano, não costumam ver problemas ou incompatibilidade na relação entre ciência e fé. Segundo o presbítero, a decisão do Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, portanto, refletiria a visão da maioria dos fiéis. “Evidentemente há fundamentalistas entre anglicanos no mundo todo. Pessoas que fazem do texto bíblico um absoluto por si mesmo, sem margem a interpretações, análises de hermenêutica ou das demais ciências bíblicas. Mas, digo isso com certeza, o fundamentalismo não é uma posição majoritária entre os anglicanos em todo o mundo”, esclarece. Nisso parece haver uma diferenciação em relação a outras denominações protestantes, em que o fundamentalismo é a posição hegemônica, como já tivemos a oportunidade de ver aqui no Tubo.

Diz o reverendo Caetano que a questão do criacionismo é o tópico mais “quente” entre os anglicanos fundamentalistas, mas mesmo quem acredita haver compatibilidade entre ciência e fé também encontra temas que merecem discussão. “O que há, dentro da igreja, é uma reflexão sobre a questão ética no uso do conhecimento científico. Discutimos, por exemplo, as questões ambientais, desde o aquecimento global até as experiências e comércio de transgênicos; questões sobre o uso de conhecimentos tradicionais, como a medicina indígena, como patrimônio patenteado por multinacionais da industria farmacêutica; e questões macroeconômicas”, descreve.

Para quem quiser conferir, o site da Igreja da Inglaterra colocou no ar dois papers, um da diocese de Manchester e outro do dr. Philip Giddins, sobre a moção aprovada no Sínodo Geral.

——

Pouca gente participou até agora do desafio do Tubo de Ensaio, confiram no post abaixo deste.

——

Não se esqueça de seguir o Tubo de Ensaio no Twitter!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]