Os laicistas da academia brasileira ainda não sabem lidar corretamente com estudantes religiosos e seguem esperando que eles simplesmente abandonem a fé ao entrar na faculdade. (Foto: Griszka Niewiadomski/Free Images)| Foto:

Eu não sabia, mas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tem um Grupo de Trabalho Estado Laico. E o coordenador desse grupo, Luiz Antônio Cunha, escreveu um artigo no Jornal da Ciência, publicação da SBPC, em que, com o pretexto do julgamento em curso no STF sobre o ensino religioso nas escolas públicas (você pode ler a opinião da Gazeta do Povo sobre o assunto), recordou uma mesa redonda ocorrida dois meses atrás na Reunião Anual da SBPC.

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Basicamente, o grande problema que os participantes identificaram é o aumento no número de estudantes na licenciatura (ou seja, universitários que no futuro serão professores) com o que eles chamam de “visão fundamentalista”, e logo os dedos são apontados para a comunidade evangélica. Não fica muito claro o que eles chamam de “fundamentalismo”, com uma exceção: o caso dos licenciandos em Biologia que rejeitam a teoria da evolução, ainda que respondam tudo direitinho nas provas.

Mas percebi, ao longo do texto, que parte dos integrantes daquela mesa redonda parece ter uma visão que corresponde menos à sadia laicidade e mais a um problemático laicismo que nega à religião qualquer espaço no debate público. Essas pessoas parecem achar absurdo que os estudantes, ao ingressar no ensino superior, não deixem de lado suas crenças “como quem deixa o chapéu à porta”, na expressão de São Josemaría Escrivá quando criticava “velhos mitos que tentam sempre remoçar”, como o do “aconfessionalismo”. A universidade não é lugar de dogma, diz um dos professores. Diante disso, pelo jeito, as únicas opções lícitas seriam ignorar ou combater. Lamento, mas isso não vai dar em nada.

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Quem me parece ter uma abordagem mais sensata é a antropóloga Lygia Segala, que admite uma fluidez nas fronteiras entre laicidade e confessionalismo. Aqui cabe muito bem o papel do diálogo entre ciência e fé dentro do ambiente universitário. Algumas das principais universidades do mundo, como Cambridge e Oxford, têm seus institutos dedicados a essa interação e nem por isso há alguma ameaça ao caráter laico das instituições. Eu me pergunto o que os participantes da mesa redonda da SBPC diriam disso. O biólogo Luís Dorvillé acha que pode quebrar a resistência dos estudantes evangélicos à evolução mostrando “a atividade científica como uma atividade sistemática de problematização e descobertas, sempre parciais”. Pode ser. Mas por que não mostrar o trabalho de tantos cristãos convictos em sua fé e ao mesmo tempo promotores da teoria da evolução? Estão aí a BioLogos e a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência que não me deixam mentir.

A religião é parte importante da sociedade e algo muito caro a milhões e milhões de brasileiros. Não é querendo “neutralizá-la” que formaremos bons professores de ciência, como se eles tivessem dupla personalidade, uma em sala de aula e outra fora dela. O caminho é mostrar aos estudantes de licenciatura (e também de bacharelado, de pós-graduação, o que for) que eles podem muito bem conciliar sua religiosidade e tudo o que a ciência nos diz sobre o universo e a vida. Resta saber se uma comunidade acadêmica permeada de laicismo, em vez de laicidade, está disposta a isso.

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