Conchiglione recheado de pasta de berinjela. Foto: Eloá Cruz/Arquivo pessoal| Foto:

A Sociedade Vegetariana Brasileira lançou há um mês o Desafio 21 Dias Sem Carne e a minha colega de redação Eloá Cruz, que trabalha na revista Haus, experimentou as três semanas sem consumir carne e ingredientes derivados de origem animal. Quem sabe mais gente não queira tentar?

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Leia abaixo seu relato e a redescoberta dos vegetais. Eloá disse que não vai virar vegetariana neste momento, mas que o desafio valeu para diminuir o consumo de carne – e este é um ponto que o presidente da SVB, Ricardo Laurino, considera importante também. “As pessoas veem que não é impossível e quebra o preconceito. Só de reduzir e repensar o consumo de carne está valendo. A gente diz que são 21 dias sem carne, mas todas as dicas que enviamos por e-mail são vegetarianas estritas”, comentou Laurino.

Adoraria que ela tivesse me dito que iria virar vegetariana imediatamente, assim como o cantor Júnior declarou quando terminou seus 21 dias. Mas acho importante mostrar que há essa possibilidade, às vezes mais comum do que imaginamos, de uma pessoa que se adapta aos poucos – é um caminho mais fácil para não voltar atrás de uma vez só.

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Para participar é só acessar o site www.desafio21diassemcarne.com e cadastrar seu endereço de e-mail. Diariamente a SVB envia receitas, dicas de nutricionistas, sugestões de documentários e outros materiais informativos para auxiliar a pessoa na transição ou na experiência.

A iniciativa da SVB tem parceria com o portal Veggo e apoio da Ampara Animal e do Instituto Luisa Mello. Segundo as estimativas da ONG, ao final do desafio os participantes terão economizado quase 48 mil litros de água (equivalente a mais de 1 ano de banhos diários), 420 quilos de grãos, 56 m² de floresta desmatada e 189 quilos de gás carbônico. Até a semana passada, mais de 20 mil pessoas haviam se cadastrado no site.

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Depoimento de quem aposta na era dos vegetais

Eloá Cruz, repórter da revista Haus e formada em Chef de Cuisine & Restaurater pelo Centro Europeu. Apaixonada por todas as temáticas que envolvam o morar, o receber e o curtir a casa. Na gastronomia, defende o uso de ingredientes frescos, naturais e é amante da cozinha brasileira. Também é autora do blog Passa lá em casa

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Sou apaixonada pela cozinha. Podem me encontrar fácil com uma faca e uma tábua preparando alguma coisa entre a pia e o fogão de casa. Fato é que recentemente concluí um curso de gastronomia para entender melhor a mágica dos processos de cocção. E desde então tenho sempre incrementado alguma coisinha aqui e ali no cardápio durante os períodos de folga, mas nada muito sofisticado. Lá em casa temos uma relação muito bacana com a comida, a comida de verdade. Minha mãe sempre deixou claro o quão ruim são os produtos processados. Bolachas recheadas, macarrão instantâneo, hambúrguer congelado, chips, nada disso entrava em casa. Mas a comidinha caseira, a polentinha mole, a carne de panela e a saladinha fresca sempre estiveram na mesa.

Com o passar do tempo, me tornei a cozinheira oficial da casa. O cardápio do almoço e do jantar fica por minha conta boa parte da semana. A lógica das refeições sempre seguiu assim: uma proteína de prato principal, feijãozinho, arroz, saladinha e mais um legume como acompanhamento (alguns raros dias a proteína era deixada de lado, mas não mais que dois dias seguidos). E há mais ou menos 30 dias, topei o desafio da Sociedade Brasileira Vegetariana de passar 21 dias sem comer carne. Como sou amante dos vegetais, não me pareceu algo complicado e difícil. A mudança na alimentação não poderia vir em melhor hora: já há algum tempo me dedicava a entender sobre a fabricação dos alimentos processados. Não olhava com os mesmos olhos para o presunto, mortadela, bacon, linguiça. E a salsicha, então?

E nesses 21 dias, cozinhar sem carne foi um excelente desafio. A proteína animal deixa qualquer prato saboroso sem muito esforço. Complicado foi tornar diferentes vegetais com gosto além da saladinha convencional. Seguir uma dieta vegetariana não é só tirar a carne do prato. É preciso criar atrativos diferentes para suprir a complexidade de sabor que a carne tem – isso sem abordar a questão nutricional. Com o tempo alguns temperos se tornaram grandes aliados além da duplinha alho & cebola: fumaça líquida, tahine, shoyu, molho inglês, páprica picante, orégano, zaatar, além das variadas ervas frescas e pimentas.

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Quando o vegetal se torna a estrela da refeição, ele precisa ter um leque bacana de sabores e texturas. Quase como criar um look estiloso para as abobrinhas, berinjelas, pimentões, cenouras, batatas. Sem isso a “festa” fica sem graça. Durante esse período também percebi o quanto somos monótonos em casa. Como sou eu quem prepara as principais refeições, continuei elaborando pratos com carne para o resto da família. E o que fui percebendo com o tempo é que não temos o interesse em comer diferentes vegetais. A “variedade” se baseia em: batata, cenoura, pimentão, abobrinha, berinjela, tomate, alface e rúcula.

Leguminosas tiveram um papel importante no processo. Como são versáteis! De torta, hambúrguer, bolinho e almôndegas, a purê, salada e creme. Dá para criar quase tudo com elas. Os cogumelos também foram meus queridinhos, antes eram só meros ingredientes para complementar a carne. Com textura e sabor incrível, se destacam no meio de um sanduíche. Berinjela e abobrinha são só amores em forma de caponata. A linhaça e a chia criam a liga que os ovos nos dão de maneira bem simples.

Sempre comentava nas refeições em casa sobre os benefícios em adotar uma dieta com menos proteína animal, mas não forcei ninguém a tirar a carne da rotina. Boa parte dos pratos vegetarianos que preparei foi bem aceita. Eles não se tornaram a estrela do almoço, mas tudo bem. A carne de panela da mãe vai continuar arrebatadora, como sempre. Também não acho que devo restringir a refeição somente como um processo de abastecimento de vitaminas, aminoácidos, gorduras e açúcares para meu corpo. Refeição é ritual compartilhado e socialização também. Michael Pollan fala muito bem sobre isso.

Nesses 21 dias não senti falta da carne. Não vou dizer que quando fui a um churrasco não salivei ao ver um suculento filé sobre a tábua de corte. Senti dificuldades quando fui a alguns eventos sociais – dificilmente as pessoas pensam numa opção vegetariana, que é bem diferente de se ter pratos sem carne. Não dá para almoçar só salada. Não dá também para servir um risoto sem carne, mas feito com caldo de proteína animal e dizer que isso é uma opção vegetariana. Salsicha também é carne sim, peixe também, mariscos, camarões, frango desfiado. Qual a dificuldade de entender?

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Depois de completar o desafio, não senti intensa vontade de voltar com proteína animal na dieta. Comi alguns pratos com carne depois dos 21 dias, mas minha relação com o ingrediente se tornou diferente. Ainda não tenho total confiança em adotar uma dieta vegetariana, quem sabe um dia quando eu tiver mais liberdade numa cozinha em que só eu dou pitaco. E vamos combinar, é totalmente desnecessário comer carne em todas as refeições, todos os dias da semana. Quero sempre buscar comer uma variedade maior de vegetais. E a carne, nisso tudo, virou um acompanhamento simples e facilmente dispensável. A era agora é dos vegetais.

 

Fatos sobre os 21 dias que podem ter (ou não) ligação com a dieta:

– Nos primeiros dias eu era uma pessoa insaciável, comia incansavelmente;
– Meu corpo apresentou menos inchaço;
– Devo ter emagrecido um pouco, apesar de continuar comendo bem;
– Meu intestino funcionou muito bem;
– Senti meu humor alterado, fiquei mais sensível;
– Não me sentia pesada depois das refeições;
– O aspecto da pele melhorou consideravelmente.

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