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Aurora boreal nas Ilhas Fåroe. | Bjartur Vest/Creative Commons
Aurora boreal nas Ilhas Fåroe.| Foto: Bjartur Vest/Creative Commons

Um pai que fala sobre outro pai, o dele. É disso que trata o primeiro livro da série Minha Luta, de Karl Ove Knausgård. Não há surpresa: sabemos desde o início que aquele pai está morto; ele nos é apresentado segundo o olhar e a percepção do filho. O que interessa não é tanto a morte, mas o trajeto que culminou nela. Knausgård compartilha a deterioração física, moral e emocional de um pai alcoólatra e apático. E, embora essa figura não seja uma construção inovadora na literatura, escrever sobre um pai alcoólatra que não seja um personagem ficcional, mas o seu próprio, é corajoso.

Felizmente, Knausgård é corajoso, mas não cafona. Ele não permite que a emoção suscitada pelo resgate de um relacionamento marcado pela distância afetiva contamine o texto. Pelo contrário, ele é honesto, direto e duro. É curioso: o norueguês escreve sobre coisas lindas e terríveis, mas me parece nunca ser atingido pelas próprias palavras. Eu o imagino altivo e também apático.

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Knausgård não entrega nada facilmente. O entendimento do leitor sobre quem é o pai amadurece conforme as experiências relatadas primeiro por uma criança afoita para contar sobre a imagem de Deus vislumbrada no mar; depois por um adolescente que observa com desprezo os primeiros sinais da degradação paterna e, por fim, por um adulto também pai que tenta administrar o impacto da morte do seu. Knausgård escancara a própria ambivalência. Ele odeia e ama o pai.

A despeito do risco de incorrer em uma análise de boteco, a associação entre o pai morto de Freud e o pai morto de Knausgård é inevitável. O psicanalista desenvolveu três mitos sobre o pai e o aspecto comum entre eles é a morte paterna. Em Totem e Tabu, o pai é um macho mais velho e mais forte, único detentor de poder sobre o bando. A tirania revolta os filhos, que decidem assassinar o pai. É somente depois da morte que se dá a compreensão do amor e a identificação entre pai e filho. A morte do pai era condição para o restabelecimento da ordem e dos laços sociais. O exercício de construção e desconstrução do pai também é observado como necessário para que o filho se torne sujeito.

Knausgård revela que esteve insatisfeito durante anos porque não conseguia escrever sobre o pai. E escrever era necessário para ordenar sentimentos e compreender.

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