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Karl Ove Knausgård. | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
Karl Ove Knausgård.| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Oitocentos e noventa gramas. É quanto pesa o livro Um Outro Amor – segundo calhamaço da série Minha Luta, do escritor norueguês Karl Ove Knausgård. Pensando de maneira minimamente racional, não é uma publicação adequada para ler no ônibus, principalmente se o trajeto a ser percorrido for longo e se dificilmente você consegue um lugar para sentar (absolutamente quase todos nós, pessoas que andam de ônibus diariamente, nos identificamos nesse aspecto).

Aos motivos: ao tentar equilibrar 592 páginas em uma das mãos – a outra está ocupada, segurando o cano ou aquelas alças incríveis com borrachinhas que esfarelam nos dedos – você poderá desenvolver dores na região do pulso; pontadinhas atrás do pescoço também são comuns, já que ele [o pescoço], formando praticamente um ângulo de 90º em relação ao livro, começa, depois de não muito tempo, a pesar. (Agora, se você estiver em pé e conseguir manter o livro num ângulo reto em relação ao pescoço por mais de cinco minutos enquanto lê: clap, clap, clap.) Outra coisa é a sensação de impotência: acompanhar as letras miúdas da página enquanto sua cabeça chacoalha, seu braço chacoalha e as pernas bambeiam é um exercício perturbador, quase impossível de ser evitado.

A grande questão é que Knausgård oferece algo tão impressionante que faz você querer ler apesar de estar num meio desses – seja no ônibus ou no ponto do ônibus.

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Moro na região metropolitana de Curitiba. O ponto de ônibus fica num lugar inóspito – cercado de grama e mato, na margem da BR-277 – e parece uma concha de concreto vermelha com uma faixa interior amarela. Geralmente estou sozinho. Do outro lado da estrada, há um bar miúdo. A fachada é de um alaranjado desbotado, quase bege. Pouca gente circula por ali. São quase 30 quilômetros até o jornal, percorridos em aproximadamente uma hora. Um ônibus amarelo surge de 20 em 20 minutos. Sempre que o vejo passar enquanto caminho até ponto, morro um pouquinho. Sempre estou morrendo um pouquinho.

Naturalmente, não tenho o hábito de ler enquanto espero o ônibus chegar pelo simples fato de que posso me distrair e não vê-lo passar. Tinha começado a ler Um Outro Amor. Naquele dia, cheguei ao ponto e pensei: foda-se. Resolvi abrir o livro e, sentado, a esperar pelo amarelinho, voltei a ler. Os cotovelos apoiados nas coxas. O livro seguro com as duas mãos. As digressões de Knausgård sobre as pessoas que estavam numa festa de criança e a dificuldade de calçar o sapato na pequena Vanja me prendiam. O norueguês faz de pouco, muito. Do corriqueiro, extraordinário. Logo o ônibus escapou-me. Só percebi pelo barulho característico do motor ressoando ao longe. E o nome da empresa do veículo, gravado na traseira, cada vez mais embaçado e distante. Preciso trocar as lentes dos óculos.

Perdi o ônibus lendo Knausgård.

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