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O peronista Sergio Massa, durante o discurso no domingo (19) no qual reconheceu a derrota para Javier Milei
O peronista Sergio Massa, durante o discurso no domingo (19) no qual reconheceu a derrota para Javier Milei| Foto: EFE/Matias Martin Campaya

A vitória de Javier Milei no segundo turno da eleição presidencial argentina, no último domingo (19), não representou apenas o fim da hegemonia peronista, que havia vencido quatro das cinco disputas anteriores para a Casa Rosada: também aprofundou a crise da chamada “Onda Rosa”.

O termo designou a onda de vitórias da esquerda nas eleições presidenciais na América do Sul, semelhante à que havia ocorrido nos anos 2000.

Candidatos de esquerda venceram quatro eleições presidenciais sul-americanas seguidas: Pedro Castillo, no Peru, e Gabriel Boric, no Chile, em 2021; e Gustavo Petro, na Colômbia, e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2022.

Agora, o barco político na região parece estar tomando a direção contrária, já que este ano a esquerda perdeu as três eleições presidenciais realizadas na América do Sul. Santiago Peña foi eleito no Paraguai, Daniel Noboa (que toma posse na quinta-feira, 23), no Equador, e agora, Milei, na Argentina.

Um ponto a ser destacado é que, nos dois primeiros países, a esquerda já não governava, enquanto na Argentina houve uma “virada”.

Depois da “Onda Rosa”, a onda de rejeição

Além dessas derrotas eleitorais, a situação está complicada para presidentes esquerdistas eleitos nos últimos anos na América do Sul. Pedro Castillo foi destituído e preso no final de 2022, após tentar dar um golpe de Estado.

No Chile, diante da crise econômica e de segurança, o governo Boric é desaprovado por 57% da população e colhe derrotas eleitorais.

Em setembro do ano passado, os chilenos rejeitaram de forma acachapante (mais de 60% dos votos) uma nova proposta de Constituição para o país, redigida por uma assembleia constituinte de maioria esquerdista eleita antes de Boric, mas cujo texto o presidente apoiava.

O projeto foi criticado como “excessivamente progressista” por conter medidas como a ampliação dos gastos do Estado (na criação de sistemas nacionais de previdência social e de saúde, por exemplo) sem detalhar de onde viriam os recursos para custear isso, tratamento jurídico diferenciado aos povos nativos chilenos e previsão constitucional para o aborto.

Em maio deste ano, uma nova constituinte, desta vez formada na sua maioria por nomes de direita e centro-direita, foi eleita. Nas duas votações, o resultado foi considerado um referendo sobre a gestão Boric. A nova proposta, elaborada nos últimos meses, irá a referendo em 17 de dezembro.

Na Colômbia, o governo Petro tem 66% de desaprovação. Além da resistência de grande parte da população às reformas propostas pelo presidente e suas negociações de paz com grupos guerrilheiros, ele sofre o desgaste das acusações de financiamento ilegal da sua campanha, que levaram um de seus filhos para a prisão. Em outubro, os candidatos por ele apoiados sofreram grandes derrotas nas eleições regionais colombianas.

Na Argentina, um prenúncio da queda do peronismo ocorreu em dezembro do ano passado, quando a vice-presidente Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para o exercício de cargos públicos por corrupção.

O peronismo, cujo candidato era Sergio Massa, fracassou nas urnas no último domingo após agravar a crise econômica argentina: a pobreza hoje atinge 40% da população, a inflação em outubro ficou em 142,7% no patamar interanual e o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o país terá em 2023 a sexta retração do PIB em dez anos.

“Esquerdas não conseguem proporcionar algo novo”, diz analista

Ricardo Bruno Boff, professor do curso de relações internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), apontou que, ao contrário do que ocorreu na onda de governos neoliberais dos anos 1990 e depois de esquerda nos anos 2000, hoje não há uma tendência predominante na política sul-americana, o que faz com que governos com pontos de vista divergentes se alternem.

“[Observamos] uma crise econômica mais geral e o mundo em transição de poder, ou seja, a ascensão da Ásia, da China, e uma diminuição relativa do poder dos Estados Unidos e da Europa, isso gera incerteza e a gente passa por um processo em que as pessoas estão apostando muito no novo. Estão buscando o outsider. Na Argentina, como foi no Brasil com o Bolsonaro, é o sujeito à direita. Na Colômbia e no México, foram presidentes à esquerda”, disse Boff.

O especialista afirmou que a primeira “Onda Rosa” foi beneficiada por um período de grande crescimento da China, alta das commodities e euforia econômica, “o que possibilitou às esquerdas fazer uma coisa que lhe é muito cara: política social”.

Porém, isso se esgotou na medida em que essas gestões não conseguiram promover grande diversificação econômica, o que gerou efeitos que alcançam os novos governos de esquerda.

“Quando a onda econômica internacional baixa, os programas sociais são afetados, porque as estruturas continuam as mesmas. Junto com isso, vêm as questões de desgaste, corrupção... As esquerdas não conseguem proporcionar algo novo e voltam ao poder com o mesmo problema. Querem repetir políticas sociais, mas não têm uma base econômica para fazer isso”, disse Boff.

“Muitas vezes, voltam ao poder fragilizadas, porque a direita cresceu. O Lula, por exemplo, não tem a maioria tranquila que tinha no Congresso [nos seus dois primeiros mandatos]”, afirmou o analista.

Boff acrescentou que o foco em pautas identitárias também acaba desgastando a esquerda sul-americana. “Isso aconteceu na constituinte do Chile [do texto rejeitado em 2022]: eles se fixaram muito na discussão de direitos indígenas e legalização do aborto e isso afastou o eleitor médio do Chile, que estava preocupado com temas mais gerais”, argumentou.

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