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O doleiro Alberto Youssef voltou a ser preso na operação Lava Jato após delação no caso Banestado
O doleiro Alberto Youssef voltou a ser preso na operação Lava Jato após delação no caso Banestado| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo

Localizado no norte do Paraná, o município de Londrina é considerado o “laboratório” dos maiores escândalos de corrupção do Brasil no século XXI. Se não fossem os personagens envolvidos, o modus operandis para lavagem de dinheiro e a irrigação de campanhas eleitorais por empresas de fachada, os desvios no final da década de 1990 durante a administração do ex-prefeito Antônio Casemiro Belinati, seriam apenas mais um escândalo da política nacional.

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Não foi o que aconteceu. A rede do doleiro Alberto Youssef e do ex-deputado José Janene se espalhou e Londrina se tornou o marco zero da corrupção, com desvio de recursos de uma estatal, licitações fraudulentas, lavagem de dinheiro com uso de contas bancárias e doações para campanhas eleitorais. O conhecido enredo do Petrolão, desmantelado pela operação Lava Jato - que completa 10 anos nesta semana - teve no escândalo Ama-Comurb uma espécie de projeto-piloto, que não só inspirou os maiores esquemas de corrupção na política nacional nos últimos 20 anos, como revelou a ligação entre o doleiro e Janene, que foi réu no Mensalão, mas morreu em 2010, antes do desfecho do julgamento.

Dez anos antes do falecimento do parlamentar por um ataque cardíaco, em maio de 2000, a Promotoria Especial de Defesa do Patrimônio Público de Londrina pediu o afastamento do cargo do prefeito Belinati e trouxe à tona o esquema de corrupção que colocou o nome de Youssef no centro das operações para lavagem de dinheiro pela primeira vez. Desde o início, os promotores do Ministério Público do Paraná (MP-PR) apontavam que a Companhia Municipal de Urbanização (Comurb) “foi palco para atuação de uma grande quadrilha, sendo que esta quadrilha, alicerçada e encravada na administração pública de Londrina, promoveu toda sorte de desmandos e irregularidades”, conforme as denúncias encaminhadas à Justiça, entre os anos 2000 e 2001.

Ainda segundo as palavras dos promotores responsáveis pela investigação, o objetivo era “assaltar” os cofres públicos para arrecadação de verbas para dar suporte aos “interesses pessoais de seus integrantes, sendo o principal deles a promoção e o financiamento de campanhas eleitorais.” Em 1998, o filho do então prefeito Antônio Carlos Belinati disputou a eleição para deputado estadual. A primeira-dama, Emília Belinati, foi vice na chapa para o governo do Paraná, encabeçada por Jaime Lerner. O MP-PR também denunciou o petista Paulo Bernardo, ex-ministro do governo Lula, como beneficiado por R$ 10 mil na campanha como deputado federal em “dobradinha” com Belinati. Os valores teriam sido entregues por meio do coordenador da campanha do PT, André Vargas, que futuramente seria eleito deputado federal e também acabaria preso pela operação Lava Jato.

A origem do dinheiro desviado foi a venda das ações da companhia telefônica Sercomtel, em maio daquele ano. A antiga estatal pertencente ao município de Londrina foi privatizada em 2020. Em 1998, a operação de abertura ao mercado rendeu mais de R$ 100 milhões ao cofre municipal.

Apesar do discurso político de investimentos públicos, a denúncia do MP-PR aponta para a construção do esquema de corrupção para desvio dos recursos por meio de licitações fraudulentas, empresas fantasmas e lavagem de dinheiro em contas do Banestado, administradas por Alberto Youssef.

À época, a promotoria identificou o modus operandi de pagamentos de aproximadamente de R$ 150 mil, sem nunca transpor este limite, o que possibilitava a licitação na modalidade de carta-convite, direcionada para as participantes do esquema de corrupção, seja como empresa fantasma ou com serviços que não correspondiam ao objeto do certame.

Na denúncia, o MP-PR calcula que mais R$ 123 milhões foram gastos pela administração pública dos recursos provenientes da venda das ações da Sercomtel no período de um ano e meio, o que significa mais de R$ 6 milhões por mês, valores levantados pelos promotores durante a investigação há mais de 20 anos.

“Lavanderia Youssef” estreia no Banestado

Nos autos do processo ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, os promotores do caso Ama-Comurb revelam que houve “intensa e preocupante dificuldade” em identificar os verdadeiros donos das 29 contas do Banestado ligadas à empresa fantasma Freitas & Dutra. O motivo seria as ameaças que funcionários envolvidos no esquema sofriam da quadrilha de Youssef classificada pelos integrantes do MP-PR como “verdadeiros cataclismas emocionais” e de “temor imensurável, já que conseguem estancar, como mágica, qualquer informação que as pessoas possam prestar.”

O que estava por trás das ameaças era a operação de lavagem de dinheiro de R$ 120 mil provenientes da Autarquia Municipal do Ambiente (AMA), que revela as primeiras digitais do doleiro dentro do Banco do Estado do Paraná, o Banestado. Segundo o MP-PR, a quadrilha tinha como base o estabelecimento comercial chamado “Casa de Câmbio Youssef”, na rua Pará, no centro de Londrina, e estabeleceu ligações estreitas com a diretoria do Banestado e com “funcionários mais graduados” da instituição financeira na cidade “com a finalidade de obter facilitação criminosa para a abertura e movimentação de valores com origem ilícita em contas bancárias em nome de empresas forjadas”.

Em maio de 1998, exatamente no mesmo mês das vendas das ações da Sercomtel, a conta corrente da empresa fantasma foi aberta por “funcionários não identificados” em uma agência do Banestado localizada no calçadão do centro de Londrina.  Assim, os promotores relatam que a quadrilha passou a contar com “um meio de promover a ocultação ou dissimulação de dinheiro” com a movimentação de valores altíssimos.

Em 1º de outubro de 1998, um cheque foi depositado na conta que serviu como prova da ligação entre Youssef e o esquema Ama-Comurb. “A importância de R$ 120.000,00 representada pelo cheque depositado era proveniente de crimes contra a Administração Pública, ou seja, de crime de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha, além de outros, cometidos por Antonio Casemiro Belinati, ex-prefeito, Mauro Maggi, ex-presidente da AMA - Autarquia do Meio Ambiente, e por outras pessoas, por ocasião da subtração de recursos públicos promovida por meio da carta-convite”, aponta o MP-PR na denúncia que culminou na prisão preventiva de Alberto Youssef.

O doleiro recorreu, foi posto em liberdade e continuou a operar no Banestado, sendo responsável por um dos maiores esquemas de remessas ilegais ao exterior.

A movimentação chegou a aproximadamente R$ 28 bilhões. O caso Banestado colocaria o então juiz Sergio Moro pela primeira vez no caminho do Youssef, que acabou sendo beneficiado por um acordo de delação após a prisão no ano de 2003, quando portava um cheque nominal no valor de R$ 150 mil do amigo José Janene.

Parceria entre doleiro e deputado é investigada nos maiores escândalos de corrupção do país

Aliado do então prefeito de Londrina Antônio Belinati, o deputado federal José Janene também foi alvo das investigações da Ama-Comurb, beneficiado por parte dos recursos desviados para campanha eleitoral, além de ter sido responsável pela indicação de um dos diretores da Comurb, envolvidos com o esquema de corrupção. Por conta do foro privilegiado, o MP-PR remeteu o caso à Procuradoria-Geral da República.

Segundo os promotores, o diretor da Comurb Eduardo Alonso de Oliveira procurou o Ministério Público para relatar ameaças do então deputado do PP em fevereiro de 2000, quando o réu, que estava colaborando com a Justiça, afirmou ter recebido a proposta de US$ 200 mil para não comparecer na Comissão Especial de Inquérito (CEI), aberta pela Câmara Municipal de Londrina para investigar o escândalo de corrupção na prefeitura.

Após recusar a oferta, Oliveira - que segundo a promotoria procurou omitir a participação de Janene durante toda a investigação - passou a ter outra postura. “Somente a ocorrência de um fato extremamente grave, como ameaça de morte, poderia fazer com que Eduardo Alonso rompesse com o todo o seu passado de amizade e envolvimento profissional com José Mohamed Janene, até então seu companheiro e protetor”, aponta o MP-PR.

Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, preso durante a operaçãoo Lava Jato.
Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, preso durante a operaçãoo Lava Jato.| Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo

De acordo com a delação do doleiro na operação Lava Jato, ele conheceu Janene em 1997, um ano antes do início das operações de lavagem de dinheiro no esquema Ama-Comurb. Em 2001, o doleiro disse que auxiliou o ex-deputado com US$ 12 milhões para a campanha de eleição ao Congresso.

Durante o mandato, Janene foi apontado como um dos beneficiados pelo Mensalão do PT enquanto Youssef chegou a ser preso pelo esquema no Banestado em 2003. Os dois casos foram alvos de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que apontaram para a ligação entre o deputado e o doleiro, conterrâneos da cidade de Londrina.

Se no norte do Paraná a indicação do diretor da Comurb terminou mal, em Brasília, a indicação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da Petrobras pelo cacique do PP, em 2004, foi promissora, dando início ao Petrolão com desvios de recursos da estatal em obras superfaturadas na megaoperação com o envolvimento de grandes construtoras.

Na delação, Youssef revelou que Costa foi nomeado pela “capacidade técnica e disposição de colaborar com o esquema de contratação de empreiteiras dispostas a contribuir com o partido”. O ex-diretor da estatal morreu em 2022.

Com a função de coleta e pagamentos dos recursos desviados da Petrobras desde 2005, sob a mentoria de Janene, o doleiro passou a ter maior influência no esquema financeiro a partir de 2007, quando o então deputado teve problemas de saúde, até a morte em 2010. Youssef assumiu as tomadas de decisões sobre pagamentos, transferências e negociava diretamente com as empreiteiras do cartel.

Os laços entre o doleiro e o diretor de Abastecimento da Petrobras ficaram mais fortes por meio da relação criminosa que os dois possuíam com Janene. Conforme a delação de Youssef, o trio se reunia de duas a três vezes por mês em hotéis e na casa de Janene em São Paulo com representantes das construtoras para discutir as licitações da petroleira.

De acordo com o estudo econométrico do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em 2020, mais de 20 empresas fizeram parte do cartel que provocou prejuízos de R$ 12,3 bilhões aos cofres da Petrobras, o equivalente a mais de R$ 20 bilhões em valores corrigidos.

Há 10 anos, a relação entre Youssef e Costa no megaesquema de corrupção, herdado pela dupla após a morte de Janene, veio à tona no início da operação Lava Jato por causa de um carro de luxo avaliado em R$ 250 mil à época. Os investigadores encontraram a nota fiscal do Range Rover Evoque, que foi pago pelo doleiro, sendo que o carro estava no nome do ex-diretor da Petrobras, recém-aposentado. O presente colocou a atuação de Youssef dentro da estatal na mira da força-tarefa e o Petrolão no centro das investigações da Lava Jato.

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