A Lava Jato chega aos 10 anos neste domingo (17) em um momento de retaliação a procuradores e juízes que protagonizaram a operação, além da anulação de condenações e investigações de corrupção nas estatais originadas em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Tal movimento, gestado por políticos e partidos alvos dos processos, hoje dá o tom da atuação de ministros, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), interessados em punir o ex-procurador Deltan Dallagnol, o ex-juiz Sergio Moro e outras autoridades do Ministério Público Federal (MPF) e do Judiciário que trabalharam nos casos.
O recado mais recente veio do ministro Gilmar Mendes, hoje o maior crítico da Lava Jato no STF. No fim de fevereiro, durante sessão da Segunda Turma, ele adiantou que votará a favor da suspensão das multas da Odebrecht combinadas em seu acordo de leniência, celebrada com o MPF e homologadas por Moro.
Mas foi além: valendo-se de mensagens dos procuradores captadas por hackers, disse ser preciso fazer uma “comissão da verdade” para esclarecer a conduta dos procuradores e do ex-juiz.
Entre as supostas irregularidades, Gilmar Mendes falou da ausência de previsão legal para o MPF fechar acordos de leniência, cálculos sem critérios para fixar o valor das multas, recebimento antecipado de cópia dos sistemas da empreiteira que registravam pagamentos a políticos e o transporte das mídias em sacolas de supermercado. “Acho que o Ministério Público precisaria liderar isso, em defesa do bom nome da instituição. É urgente que o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] faça algo”, pressionou.
Em entrevista à GloboNews nesta segunda-feira (11), o ministro do STF voltou a falar em "comissão da verdade" para a Lava Jato. "Há coisas nebulosas que precisam ser esclarecidas. Talvez, merecesse buscar uma ‘Comissão da Verdade’ sobre isso. Há muito escombros sobre o que se passou", disse.
Hoje, no entanto, a maior arma da vingança contra a Lava Jato está no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde o corregedor-nacional, Luís Felipe Salomão, conduz uma correição sobre a 13ª Vara Federal de Curitiba e a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que revisa as decisões da Lava Jato na segunda instância.
Salomão também é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e próximo de Gilmar Mendes. O foco dele está sobre a gestão dos recursos recuperados, pagos em acordos de delação premiada e de leniência.
Relatório da correição deve sair em março
Em setembro, Salomão divulgou um relatório preliminar apontando “gestão caótica” no controle do dinheiro entregue pelos réus e empresas investigadas.
Ele trabalha com a hipótese de que Moro teria autorizado a restituição de R$ 2,1 bilhões à Petrobras no Brasil, enquanto os procuradores trabalhavam para que os Estados Unidos liberassem para o país R$ 2,5 bi que a empresa teve de pagar às autoridades americanas. Com esse montante, constituiriam um fundo de combate à corrupção. Em 2019, essa iniciativa foi vetada pelo ministro Alexandre de Moraes e o dinheiro foi depositado nos cofres da União, para ações de combate ao desmatamento na Amazônia, educação e depois combate à pandemia de Covid.
O resultado da correição deve sair em março e pode apontar irregularidades como improbidade administrativa e peculato, segundo fontes do CNJ. Imputações podem ser feitas não apenas sobre Moro, mas também sobre Gabriela Hardt, juíza substituta, e desembargadores da 8ª Turma do TRF4 que analisavam as decisões de ambos.
No ano passado, Salomão afastou do cargo o juiz Marcelo Bretas, titular da Lava Jato no Rio de Janeiro, alegando acusações pouco claras e sigilosas baseadas em delação de um advogado de réus da operação.
CNMP, AGU e TCU também se movem contra membros da antiga força-tarefa
Em razão da correição realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também resolveu, em julho do ano passado, inspecionar o trabalho que era realizado no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná. O resultado ainda é desconhecido. Há expectativa de avanço em processos disciplinares com o novo comando do órgão, a cargo de Paulo Gonet, procurador-geral da República e ex-sócio de Gilmar Mendes.
Outra frente de apuração ocorre no Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de fiscalização do Congresso, na Controladoria-Geral da União (CGU), que fiscaliza contratos em nome do Executivo, e na Advocacia-Geral da União (AGU), que defende órgãos federais na Justiça.
Desde o ano passado, o ministro do STF Dias Toffoli têm determinado a esses órgãos que revisem como foram travadas as negociações de acordos de leniência da Lava Jato e investiguem servidores que participaram dos atos. Para o ministro, esses acordos podem ter sido fechados sob coação dos procuradores, daí a decisão de suspender pagamentos das multas bilionárias da Odebrecht e da J&F – que foi criticada por juristas e até mesmo pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Toffoli autorizou que as empresas vasculhem as milhares de mensagens que procuradores trocaram ao longo dos anos, captadas por hackers (ou seja, de forma ilegal), para que encontrem e apontem indícios de má conduta. Com isso, não só poderão ter desconto nas penalidades, mas também acusar os procuradores.
Moro, em sua coluna na Gazeta do Povo que escreve sobre os 10 anos da Lava Jato, afirma que "a invasão criminosa de mensagens de agentes da operação levou a uma fantasiosa alegação de conluio entre Ministério Público e juiz", lembrando que as "condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ".
No TCU, Deltan Dallagnol e o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foram condenados, em 2022, a devolver R$ 2,8 milhões por gastos com diárias e passagens de procuradores que viajavam para Curitiba para trabalhar nas investigações. Ao decidir assim, os ministros ignoraram o parecer técnico do próprio TCU, que “registrou não ter identificado indícios contundentes de desvio de finalidade ou de outras irregularidades nos valores gastos no âmbito da Lava Jato”. Deltan, na época, se defendeu afirmando que ele sequer era responsável pela gestão dos recursos do MPF durante a força-tarefa.
No mesmo ano, Salomão e outros ministros do STJ o condenaram a indenizar Lula em R$ 75 mil por causa de uma apresentação de PowerPoint, mostrada numa entrevista coletiva em 2016, na qual apontava Lula como chefe de uma organização criminosa.
Frente de vingança contra Moro está na Justiça Eleitoral
Em relação a Moro, a frente de ataque hoje está no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), onde tramitam duas ações, do PT e do PL, para cassar seu mandato de senador. Os partidos acusam gastos supostamente irregulares na pré-campanha e acima do limite, especialmente pelo período em que ele pretendia concorrer à Presidência da República. O julgamento está previsto para o início de abril e qualquer que seja o resultado, é esperado um recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que terá a palavra final no caso.
Em entrevista recente, ao jornal Valor Econômico, Gilmar Mendes disse que a punição de Moro com a perda do mandato, já aplicada a Deltan Dallagnol no ano passado, seriam penas “leves” para os dois, embora o caso do ex-juiz não tenha relação imediata com a Lava Jato. Dallagnol foi cassado sob acusação de deixar o MPF para escapar de processos disciplinares no CNMP, mesmo que na época não houvesse nenhum Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra ele no Conselho.
No STF, Moro também tornou-se alvo de investigação, aberta por Toffoli, a partir de acusações do ex-deputado estadual Tony Garcia, investigado sob supervisão do ex-juiz no caso Banestado, início dos anos 2000, no Paraná.
Além dos ministros, advogados que defenderam políticos réus também fazem pressão por punições. O maior porta-voz do grupo é Antonio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido por seu apelido, Kakay.
“A Lava Jato só vai acabar quando forem responsabilizados, civil e criminalmente, os que corromperam o sistema de justiça”, escreveu o advogado em dedicatória de um livro sobre a operação.
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