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Oposição durante coletiva que anunciou as 171 assinaturas para a criação da CPI do Abuso de Autoridade.| Foto: Ana Carolina Curvello/ Gazeta do Povo

Protocolada esta semana na Câmara dos Deputados, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Poder quer investigar se os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) violaram direitos e garantias fundamentais, praticaram condutas arbitrárias não compatíveis com o devido processo legal, cometeram atos de censura e abusaram de sua autoridade.

Um ano após ser protocolada pela primeira vez, e deixada de lado devido ao fim da legislatura passada, a CPI voltou a ganhar adesões de parlamentares depois da morte de Cleriston Pereira, réu do 8 de janeiro que estava detido na penitenciária da Papuda, em Brasília. Apesar do próprio Ministério Público ter recomendado sua soltura por comorbidades adquiridas após a Covid-19, ele continuava preso. No dia 20 de dezembro, o baiano teve um mal súbito durante o banho de sol na cadeia.

Depois de muitas idas e vindas e tentativas de coletar assinaturas de parlamentares que chegavam a endossar o pedido e depois retirar o apoio, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), autor do requerimento, comemorou as 171 assinaturas (1/3 do total de deputados) exigidas pelo regimento interno da Câmara dos Deputados e pela Constituição Federal para instalação da comissão.

O deputado ressaltou que as investigações são urgentes para que se apure medidas recentes tomadas pelo Judiciário. "Infelizmente tem sido comum vermos ministros do TSE e do STF extrapolando suas competências e tomando para si decisões que são do Legislativo e do Executivo. Esse abuso de autoridade precisa de um basta e é para isso que estamos propondo a CPI", destacou van Hattem (Novo-RS).

O deputado Maurício Marcon (PL-RS), vice-líder da oposição na Câmara dos Deputados, cita que a morte de Cleriston deve ser um dos pontos investigados pela comissão. "A gente tem que investigar por exemplo, por que uma pessoa que tinha alvará de soltura pedido pela Procuradoria Geral da República ficou três meses sem ser analisado e só saiu de dentro da Papuda [penitenciária em Brasília] morto. Eu acho que são inúmeros os eventos de violação de liberdade aí", afirma ele, que também se empenhou na coleta de assinaturas para a instalação da CPI do Abuso de Autoridade nesta reta final.

A tendência é que sejam investigados diversos casos polêmicos envolvendo as duas cortes. O requerimento de van Hattem cita ao menos três decisões dos ministros do STF e do TSE que serão averiguadas durante a CPI, além de mencionar o inquérito das fake news.

1. Operação contra empresários por mensagens em aplicativo

Se a CPI for instalada, os parlamentares devem se debruçar sobre os aspectos que envolveram uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que autorizou uma operação da Polícia Federal de busca e apreensão em endereços de oito empresários por supostamente terem defendido um golpe de Estado em conversas em um aplicativo de mensagens. A operação ocorreu em 23 de agosto de 2022 e atingiu empresários que na época eram apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

A decisão, que restringiu direitos civis dos empresários, foi baseada em uma reportagem do jornal Metrópoles, que divulgou mensagens trocadas pelos empresários em um grupo privado de WhatsApp. Entre as medidas autorizadas por Moraes estava o congelamento de contas bancárias e apreensão dos celulares.

"Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo", disse um dos empresários no aplicativo. Esta e outras declarações com teor semelhante foram suficientes para Moraes autorizar a operação.

Na época, entidades industriais e juristas criticaram a decisão do ministro do STF, alegando prejuízo à liberdade de expressão e ao Estado Democrático de Direito. Eles salientaram ainda que o posicionamento crítico ao sistema eleitoral e ao próprio STF não configura crime. Ele é apenas o exercício da liberdade de expressão, especialmente quando ocorre em conversas privadas.

Van Hattem apontou ainda que a conduta do magistrado desrespeitou o direito à ampla defesa e ao contraditório ao violar as prerrogativas da advocacia, dificultando o acesso aos autos aos advogados dos empresários – uma reclamação que se repetiu em outros inquéritos relatados por Moraes.

Um ano depois, Moraes arquivou a investigação contra seis dos oito empresários. Na decisão, ele reconheceu que é “patente a ausência de justa causa” para manter aberta a investigação. Porém, manteve abertos os inquéritos contra os empresários Luciano Hang e Meyer Joseph Nigri.

2. Bloqueio de contas bancárias de 43 pessoas

Outra decisão de Moraes citada no requerimento para abertura da CPI do Abuso de Autoridade trata da determinação de bloqueio das contas bancárias de 43 pessoas e empresas suspeitas de financiarem atos antidemocráticos.

A decisão do ministro foi proferida em novembro do ano passado, quando havia vários protestos pelo país, em frente a quartéis do Exército, contra a eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Já na época, Moraes considerava que esses protestos e bloqueios de rodovias poderiam "configurar o crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito".

Na época, parlamentares apontaram arbitrariedades na decisão, citando o bloqueio das contas bancárias do Banco Rodobens. Segundo a própria empresa, ela acabou sendo incluída na investigação porque "dentre os caminhões que se deslocavam para Brasília existiam clientes com financiamento na modalidade de leasing operacional, em que a propriedade do bem é do banco, mas a posse direta é do cliente arrendatário".

"É gravíssimo que qualquer indivíduo ou empresa seja submetido a uma medida tão drástica como o bloqueio de suas contas bancárias sem que haja indícios inequívocos da sua participação em atos criminosos e sem que seja sequer observado o devido processo legal", apontaram deputados no requerimento da CPI apresentado ainda na legislatura passada.

Posteriormente, parlamentares também acabaram sendo alvo de investigações no STF, relacionadas aos atos de 8 de janeiro. Um dos exemplos recentes foi o deputado Luciano Zucco (RS), que está deixando o Republicanos para migrar ao PL. Em maio, Moraes determinou à Polícia Federal que investigasse Zucco por suposto “patrocínio e incentivo a atos antidemocráticos” no Rio Grande do Sul. No fim do ano passado, o deputado postou frases de apoio às manifestações contra a eleição de Lula em suas redes sociais.

3. Censura a parlamentares e à imprensa

Decisões do TSE durante as eleições de 2022 também serão alvo de apuração, em especial uma, do ministro Benedito Gonçalves, que proibiu o lançamento do documentário "Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?", da produtora Brasil Paralelo, antes das eleições. Na opinião dos parlamentares que assinaram o requerimento, a decisão caracterizou censura prévia ao veículo de comunicação.

Outros episódios que devem ser relembrados e questionados durante a CPI atingiram a Gazeta do Povo e veículos como O Antagonista e a Jovem Pan.

Na época da campanha eleitoral de 2022, o TSE determinou a remoção das redes sociais de 31 postagens que apontavam o apoio de Lula à ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua. Um tuíte da Gazeta do Povo, que tratava do bloqueio da transmissão da CNN na Nicarágua, foi incluído na decisão do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Já a Jovem Pan foi obrigada a retirar do ar uma entrevista em que a hoje senadora Mara Gabrilli respondia a perguntas sobre a morte de Celso Daniel. O Antagonista, por sua vez, teve de deletar reportagem com áudios em que o veículo expressava sua preferência por determinado candidato, e depois uma matéria que citava a censura sofrida.

"É inadmissível que, sob o pretexto de combater a desinformação, o Poder Judiciário tenha o poder de decidir o que um veículo de imprensa pode ou não publicar. A adoção da censura parece ter se tornado regra no Brasil, consagrando o retorno do autoritarismo e instituindo um verdadeiro Estado de exceção", dizem os parlamentares que pedem a abertura da CPI do Abuso de Autoridade.

Eles citam ainda o caso do economista Marcos Cintra, que em novembro do ano passado teve suas contas bloqueadas nas redes sociais após fazer questionamentos sobre o sistema eleitoral brasileiro e o TSE, e de parlamentares que "estão sendo calados pelo Poder Judiciário".

No âmbito do TSE, os deputados reclamam especificamente de uma resolução da corte eleitoral, de 20 de outubro de 2022, que dispõe sobre o "enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral". Na prática, o dispositivo dá à Corte o poder de polícia para remover da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, conteúdo que já tenha sido considerado pela maioria dos ministros como “sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”.

"Sob a justificativa de combater a desinformação que poderia afetar o curso das eleições, o órgão eleitoral instalou um regime de censura durante as eleições", escrevem os signatários da CPI.

4. Inquérito das fake news também deve ser alvo da comissão

Além desta resolução do TSE, outro ponto focal da CPI, se instalada, deve ser o inquérito das fake news, que chegou a ser batizado de "inquérito do fim do mundo" pelo ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello. A investigação, relatada por Moraes, foi instaurada em março de 2019 pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli, para apurar ameaças feitas a ministros do STF.

Moraes já usou o inquérito para decretar buscas e apreensões e até bloqueios de perfis de influenciadores e políticos; além da prisão do ex-deputado Daniel Silveira, detido em 2021 depois de publicar vídeo com ameaças a ministros do STF e pedir a volta do AI-5, decreto de 1968 usado pela ditadura militar.

O inquérito chegou a ter a legitimidade contestada, mas foi declarado constitucional pelo plenário do STF por 10 votos a 1. O único voto divergente, do então ministro Marco Aurélio Mello, argumentava que a instauração havia sido ilegal e que os ataques à Corte estariam protegidos pelo direito à liberdade de expressão e de pensamento.

Alguns parlamentares que fizeram questionamentos mais duros ao Judiciário hoje respondem a processos. O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), por exemplo, é alvo de denúncia por injúria e difamação contra Alexandre de Moraes. Em junho de 2020, em resposta à quebra de seu sigilo bancário pelo ministro do STF e presidente do TSE, no inquérito dos atos antidemocráticos, o deputado disse, numa transmissão ao vivo nas redes sociais, que, com a medida, Moraes “enoja ainda mais a sociedade”. Ele passou então a ser alvo de processo por insinuar que Moraes não agiria de forma isenta e imparcial.

CPI será fundamental para equilíbrio entre poderes, diz presidente do Novo

Para o presidente do Partido Novo, Eduardo Ribeiro, a instalação da CPI do Abuso de Autoridade terá um papel primordial, pois trará luz ao Poder Judiciário. "O STF está no centro do debate em razão de abusos que vêm ocorrendo na Corte. Investigar é fundamental para que haja um reequilíbrio entre os Poderes", destacou.

O apelo para apurar os excessos praticados por ministros do STF e TSE contou também com um abaixo-assinado liderado pelo partido, que terminou com mais de 550 mil pessoas da sociedade civil pedindo a apuração de abusos por parte das cortes de justiça.

Agora, o pedido de criação da CPI precisa ser lido no plenário da Câmara para que a comissão possa ser instalada. Como o recesso parlamentar e o fim de ano se aproximam, e a pauta da Câmara está tomada por matérias consideradas prioritárias para que o governo possa fechar as contas do ano e cumprir a meta fiscal de déficit zero, é pouco provável que a instalação da CPI ocorra ainda em 2023.

Mesmo assim, o deputado Marcel Van Hattem deverá ter uma conversa com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para definir os próximos passos.

Os passos necessários para instalação de uma CPI

Para que uma Comissão Parlamentar de Inquérito seja instalada na Câmara dos Deputados é preciso atender alguns requisitos, como assinatura de 1/3 dos parlamentares, fato determinado e prazo. Segundo explica a consultora legislativa Deborah Wajngarten, o prazo de funcionamento deve ser de até 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Já o fato determinado se refere a um acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do país.

A CPI do Abuso de Autoridade poderá ser instalada se esses requisitos forem preenchidos e se a capacidade máxima de funcionamento de cinco CPIs simultâneas na Câmara não tiver sido alcançada – não há nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito atualmente em funcionamento.

A consultora explica ainda que “cabe à Mesa, após a leitura do requerimento em Plenário, a instalação de uma CPI". Mas não há uma regra para determinar qual CPI deve ser instalada primeiro.

Assim que o debate sobre a instalação da CPI teve início, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL) chegou a sugerir que ainda que ao invés de uma CPI da Câmara, os partidos de oposição e independentes buscassem assinaturas para instalação de uma CPMI, com a participação de deputados e senadores, que encontraria menos entraves para instalação e maior efetividade.

Resta saber como o presidente Lira analisará a questão agora, diante de novos fatos, e a insatisfação crescente de boa parte do Congresso Nacional com o Judiciário.

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