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Ala da Vai-Vai fez alusões a policiais de São Paulo como demônios.
Ala da Vai-Vai fez alusões a policiais de São Paulo como demônios.| Foto: Divulgação/Vai-Vai

Uma investigação comandada pela Polícia Civil de São Paulo - e que segue sob segredo de justiça - tem na mira uma das mais tradicionais escolas de samba do estado. Fundada em 1930 e detentora de 15 títulos, a Vai-vai virou polêmica no Carnaval de 2024 ao representar em uma de suas alas a demonização de policiais militares do Choque de São Paulo e a exaltação de criminosos. A escola teria virado “reduto” com recursos oriundos do crime organizado.

O destaque vai para o Primeiro Comando da Capital (PCC), apontado nas investigações como um dos principais financiadores do grupo. Em dezembro do ano passado, a Folha de S. Paulo teve acesso à investigação.

A escola de samba nega qualquer tipo de envolvimento ou financiamento de criminosos, mas a apuração policial indica que o elo entre a Vai-Vai e a organização criminosa ocorreria a partir do ex-diretor financeiro e atual conselheiro, Luiz Roberto Machado de Barros, o Beto da Bela Vista, apontado como próximo da facção.

Pelas denúncias, Beto Bela Vista também aparece em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) suspeito de lavagem de dinheiro, ao lado de outros membros da família.

Integrantes da escola de samba que tinham ligações com as forças de segurança chegaram a ser expulsos da Vai-Vai, segundo as investigações em curso, para evitar que soubessem ou denunciassem o esquema.

Beto Bela Vista tem passagens pelo sistema penitenciário, onde cumpriu pena por 10 anos, até 2014. Na relação de crimes aparecem formação de quadrilha, roubo, extorsão mediante sequestro e porte ilegal de arma de fogo.

O conselheiro da Vai-Vai disse à polícia que não tem ligações com criminosos, não pratica atividades ilícitas e que seu patrimônio veio de heranças. Disse ainda que frequenta a escola de samba desde criança e desconhece a ligação dela com o crime organizado.

Irmão de conselheiro planejou resgate cinematográfico de Marcola

As denúncias investigadas pela polícia de São Paulo sobre a suposta ligação da Vai-Vai com o PCC vão além. O irmão de Beto Bela Vista, Marco Aurélio Barbosa, o Du Bela Vista, está preso e é considerado pelas forças de segurança como sendo de alta periculosidade.

Ele foi apontado como um dos articuladores de planos de resgate considerados cinematográficos de membros do PCC, como o de Carlos Camaxo, o Marcola, líder da facção.

Descoberto pela polícia, o esquema pretendia utilizar aeronaves e armas de grosso calibre em uma forte investida contra o presídio onde Marcola estava preso em 2014.

À Folha de S. Paulo, a defesa de Beto Bela Vista afirmou em dezembro que as acusações surgiram por conta da situação do irmão, que está custodiado no sistema penitenciário federal. A Gazeta do Povo não conseguiu contato com a defesa de Beto Bela Vista.

Também no fim do ano passado, a Vai-Vai havia afirmado que Beto não é mais diretor da agremiação, que integra o conselho como membro eleito e que nenhuma condenação inviabilizaria a atuação dele na escola de samba. A Vai-Vai disse ainda que Du Bela Vista não faz parte dos quadros da escola.

Desfile polêmico com demonização da polícia e exaltação de criminosos

O suposto envolvimento entre a escola de samba e o PCC voltou com força à tona depois que a Vai-Vai utilizou alegorias nas quais demoniza a polícia e enaltece criminosos, em desfile no Sambódromo do Anhembi, na noite do último sábado (10) .

A enxurrada de críticas veio junto com representações aos governos estadual e municipal para o repasse de recursos públicos à Vai-Vai seja interrompido até que as investigações sejam concluídas. Ofícios foram protocolados pelo deputado federal Capitão Augusto (PL) e pela deputada estadual Dani Alonso (PL). No documento enviado ao governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao prefeito, Ricardo Nunes (MDB), os parlamentares pedem punição à escola.

"Proponho que a escola de samba Vai-Vai seja proibida de receber qualquer forma de recurso público no próximo ano fiscal, como forma de sanção pela conduta irresponsável e ofensiva demonstrada. Tal medida não apenas servirá de punição apropriada, mas também como um claro sinal de que ofensas contra as instituições e profissionais de segurança não serão toleradas em nosso estado".

No documento, os parlamentares consideram também que “a situação é ainda mais agravada pelas revelações de possíveis ligações entre a referida escola de samba e organizações criminosas, incluindo a facção PCC”.

“Estas associações são extremamente preocupantes, pois sugerem uma tentativa de minar a confiança pública nas instituições responsáveis pela segurança e ordem pública, além de possivelmente ameaçar a integridade do Carnaval como espaço de expressão cultural livre de influências nefastas”, reforçaram no documento.

O desfile da agremiação também provou manifestações do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp). "É de se lamentar que o Carnaval seja utilizado para levar ao público mensagem carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei”, criticou o órgão, ao considerar que a escola deveria fazer uma retratação pública. A Vai-Vai, no entanto, disse que não teve a intenção de fazer ataques ou provocações.

Escola fala em “liberdade e ludicidade”

Em nota publicada na segunda-feira (12), a Vai-Vai disse que a “ala retratada no desfile de sábado, à luz da liberdade e ludicidade que o Carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais MC's, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento”.

A Vai-Vai ressalta que, no recorte histórico da década de 1990, "a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile”, completou.

Confira o que disse a Vai-Vai sobre a polêmica do Carnaval:

"Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano. Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos. Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. 'Sobrevivendo no Inferno' é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância".

Boulos e Silvio Almeida com a Vai-Vai

O deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (Psol) esteve no Anhembi na noite de sábado (10) para acompanhar o desfile, vestindo a camisa da escola de samba Vai-Vai. A equipe de campanha de Boulos optou por não se manifestar sobre a polêmica.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, desfilou em um carro alegórico da agremiação com a imagem pichada do bandeirante Borba Gato. A figura de Borba Gato é polêmica entre ativistas que afirmam que ele está associado à escravização e à perseguição de índios e negros no período do Brasil colonial. Em 2021, a imagem foi vandalizada e manifestantes atearam fogo na estrutura de 13 metros e que pesa cerca de 20 toneladas na praça Augusto Tortorelo de Araújo, em São Paulo.

No X (antigo Twitter), Silvio Almeida disse que seu avô paterno foi um dos fundadores e esteve nas primeiras diretorias da Vai-Vai e que a agremiação faz parte da história da vida dele. “É a Escola de Samba que faz parte da história da minha família e que é uma das mais vigorosas manifestações da cultura negra da cidade de São Paulo. Este ano Vai-Vai homenageou a cultura Hip Hop, cuja importância para a minha formação eu já mencionei outras vezes”, afirmou na rede social.

A participação de Boulos e de Almeida no desfile da Vai-Vai foi motivo de crítica da deputada federal Rosana Valle (PL-SP). “Espantoso ver Boulos e o ministro dos Direitos Humanos do Lula desfilando e sorrindo, enquanto a escola exibia fantasias de policiais como se fossem demônios. O que se viu foi uma afronta aos profissionais da Segurança Pública do Estado de São Paulo, que arriscam a vida para proteger a sociedade. Lamentável e desnecessário. No desfile, ainda teve exaltação ao vandalismo do patrimônio público. Isso não é Carnaval”, criticou ela.

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