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Cristiano Zanin, em Sabatina no Senado Federal.
Cristiano Zanin, em Sabatina no Senado Federal.| Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

A indicação de um ex-advogado do presidente da República para a Suprema Corte não deveria ter lugar em um Estado de Direito, pois viola os princípios fundamentais que o regem.

Embora seja natural que aqueles que governam detenham poder - e no Brasil esse poder é considerável -, isso não pode ser sinônimo de poder absoluto. A imparcialidade e impessoalidade é essencial para todo agente público, e desrespeitar esse princípio remonta ao conceito histórico de patrimonialismo, que é tão presente na história do país.

Historicamente, o Estado brasileiro foi marcado por um arraigado patrimonialismo, onde os interesses privados de uma elite dominante se sobrepuseram aos interesses públicos. Essa dinâmica pavimentou o caminho para as instituições do país e trouxe consequências prejudiciais para a estrutura social e econômica.

A imparcialidade e impessoalidade é essencial para todo agente público, e desrespeitar esse princípio remonta ao conceito histórico de patrimonialismo

A indicação de Cristiano Zanin pelo presidente Lula (PT) e o contexto dessa escolha lembram a obra clássica "Os Donos do Poder", do sociólogo Raymundo Faoro. O livro destaca as relações de poder e patronagem na formação do Estado brasileiro, enfatizando a importância dos laços pessoais e de uma rede de favores na ascensão política e no controle do aparato estatal.

O patrimonialismo refere-se à prática de governantes tratarem o Estado como seu patrimônio pessoal, colocando os interesses privados acima do bem comum e das instituições. Essa forma de exercício do poder é caracterizada por favoritismos, clientelismos e nepotismos, onde as relações pessoais e familiares têm mais peso do que o mérito e a imparcialidade.

Nesse contexto, a indicação de um advogado pessoal para uma posição tão importante no STF é um exemplo de patrimonialismo, uma vez que privilegia um vínculo pessoal em detrimento de uma escolha imparcial e objetiva baseada nas qualificações técnicas e profissionais necessárias para o cargo.

É compreensível que surjam preocupações legítimas sobre a independência e imparcialidade da mais alta corte do país. É essencial que o Judiciário seja composto por juízes capazes de exercer suas funções com total isenção, sem qualquer suspeita de favorecimento ou conflito de interesse. Afinal, o STF é responsável por garantir a guarda da Constituição e a defesa dos direitos fundamentais, e sua credibilidade depende da confiança da sociedade.

Essa forma de exercício do poder é caracterizada por favoritismos, clientelismos e nepotismos, onde as relações pessoais e familiares têm mais peso do que o mérito e a imparcialidade

Do ponto de vista político, pode fazer sentido que Lula indique um aliado jovem, que poderá permanecer no cargo por quase três décadas, em um tribunal que, devido à judicialização da política, tornou-se um dos principais palcos da política nacional.

O tribunal caracterizou-se em sua história recente como um espaço onde as regras estão em desconstrução, em que a capacidade de um ministro de construir alianças e formar coalizões em julgamentos mais controversos prepondera, e onde cada vez menos há autocontenção por parte da atuação dos ministros.

Ao longo de mais de um século, desenvolveram-se regras não escritas sobre os critérios para que um jurista chegue ao STF, e Zanin não os preenche. Não possui trajetória acadêmica, tampouco experiência em cargos públicos onde sua atuação e expertise técnica poderiam ser testadas publicamente, e sua faixa etária também se destaca.

Sem esses requisitos, dificilmente Zanin estaria na posição de se tornar um protagonista permanente na política brasileira, o que faz estar nesta agora exclusivamente em virtude de uma vitória em um processo judicial que beneficiou aquele que agora o indica.

A crença de Lula de que ele se tornará um grande Ministro pode até se confirmar, mas independente de sua expertise técnica, ele não deveria ter sido indicado.

De acordo com as convicções de Raymundo Faoro, combater o patrimonialismo deve ser uma prioridade para a construção de uma sociedade brasileira mais justa e igualitária. Quando as instituições permitem que um presidente indique seu ex-advogado ao STF, o Brasil se afasta do ideal de buscar verdadeira justiça e igualdade e persiste nas práticas que perpetuam um país distante do que os brasileiros merecem.

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Luan Sperandio é graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e MBA na Fucape Business School. Analista político, Conselheiro e Coordenador de Operações da Ranking dos Políticos, foi Diretor do Instituto Livre Mercado, que atua em Brasília. Foi eleito Top Global Leader do Students for Liberty em 2017. É ainda colunista de Folha Business e associado do Instituto Líderes do Amanhã.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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