Lavoura de soja em Montividiu, Goiás, em fevereiro deste ano| Foto: Michel Willian

Principal produto das exportações brasileiras, com 13,82% de participação em 2018 (MDIC), a soja ainda não tem o devido reconhecimento de sua contribuição ao desenvolvimento econômico do país. Para o Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB), uma organização sem fins lucrativos que reúne pesquisadores e empresas do agronegócio, a moderna agricultura brasileira poderia ser dividida em “antes” e “depois” da soja.

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No último dia 18, em Londrina, o CESB premiou os agricultores campeões do Desafio de Máxima Produtividade da Soja, que surgiu há onze anos com o objetivo de promover e compartilhar as melhores práticas e técnicas para elevar a produtividade da leguminosa. O recorde brasileiro atual, de 8.944 kg, é quase o dobro do alcançado pelo primeiro campeão, em 2008, de 4.980 kg/hectare. Mais de quatro mil produtores participaram do Desafio neste ano. Para o presidente do CESB, Leonardo Sologuren, engenheiro-agrônomo e mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia, a soja ainda não atingiu seu potencial máximo e o Brasil tem a responsabilidade de produzi-la para alimentar o mundo. Confira a entrevista.

Para Leonardo Sologuren, soja brasileira ainda terá muitos anos de forte demanda internacional para alimentação de aves, suínos e bovinos| Foto: Marcos Tosi
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No início do Desafio de Máxima Produtividade da Soja, a meta era chegar a 4 ou 5 mil kg por hectare, e hoje já estamos próximos de 9 mil kg por hectare. A soja já atingiu todo seu potencial?

Quando chegamos à safra 2016/17 e atingimos 149 sacas por hectare, perguntamos: Nossa, será que dá para passar disso? E todo ano a gente repetia a mesma pergunta, quando passamos de 90 sacas, depois de 100, 110, 120. Confesso que não sabemos efetivamente qual é o potencial da soja. Nos EUA, por exemplo, tem um produtor que já ultrapassou o recorde do Brasil, então, acreditamos que ainda temos espaço para aumentar a produtividade e quem vai nos ajudar a responder isso é o produtor.

Por outro lado, não é um paradoxo que a produtividade da soja no Brasil esteja estagnada há dez anos na faixa de 3 mil kg por hectare?

Quando a gente olha uma média, é isso que acontece. Os produtores de elite, ou altamente tecnificados, eles têm obtidos ganhos de produtividade bastante relevantes. No caso do produtor campeão de produtividade de Rio Verde (GO), desde 2011 ele vem aumentando a média de forma bastante significativa. São produtores que estão formando solo, fazendo excelente práticas, escolhendo as variedades mais corretas e realizando testes na propriedade. Mas tem outro lado dentro agricultura que ajuda a puxar a média para baixo. Existem os problemas climáticos recorrentes. Por exemplo, quando tem La Niña, vai dar uma seca no Sul e perda de produção, e isso puxa a produtividade média para baixo. Quando tem El Niño a situação se inverte, e as perdas ocorrem nas regiões Norte e Nordeste, o que também ajuda a reduzir a produtividade. E é importante lembrar que na média dos últimos cinco anos, o Brasil vem crescendo um milhão de hectares por ano. Esse crescimento ocorre em áreas de pastagens degradadas ou que estão sendo abertas. Leva um tempo para que essa produtividade seja corrigida, às vezes no primeiro ano o produtor vai colher 30 a 40 sacas por hectare.

Por que o Desafio da Produtividade Máxima tem atraído cada vez mais produtores? Eles entenderam que é uma forma de aprender pelo exemplo dos outros?

Isso é o bacana. O produtor sempre vai confiar muito nas pessoas que enfrentam a mesma realidade dele. O CESB não tem viés comercial nenhum, todos nós somos voluntários, é uma organização sem fins lucrativos. Nós não estamos colocando ali nenhuma receita. Estamos falando para os produtores se desafiarem. Quando um agricultor vê o que o vizinho é capaz de fazer, e no mesmo mundo dele obter uma produtividade maior, isso acaba sendo um incentivo. E daí ele quer escutar o que o vizinho está fazendo. Isso acaba atraindo cada vez mais produtores para participar de nosso desafio e de nossos eventos.

Geralmente, os campões tem seus segredos. Mas vocês fazem questão de revelar em detalhes todos os cases vencedores...

Esse é o propósito do Cesb, democratizar a informação. Em segundo lugar, os produtores não estão concorrendo entre si. No final do dia, estão vendendo um produto que é commodity, não estão colocando um produto em prateleira.

É preciso ver que a soja é o principal produto dentro da balança comercial e que o Brasil ocupa um lugar de destaque no cenário global. Então, como os produtores não são concorrentes diretos, não há nenhum problema em democratizar essa informação. Você valoriza o setor como um todo.

O livro dos dez anos do CESB diz que a soja é um marco na agricultura brasileira, que pode ser dividida entre "antes" e "depois" da leguminosa. Alguns, no entanto, apontam a soja como vilã da agricultura. A soja é injustiçada?

Eu diria que essa injustiça não é só com a soja. Apesar de o Brasil ser um país eminentemente agrícola, de ter 25% do PIB relacionado ao agronegócio, nós ainda não temos políticas claras para incentivar o crescimento do setor. Por isso cada vez mais o produtor vem buscando escala, porque não tem ajuda. Ele tem que correr e buscar cada vez mais performance. Isso ocorre quando você não é ajudado. Por outro lado, quando você é ajudado, pode entrar numa linha de acomodação. No caso do Brasil, a gente precisa correr em termos de produtividade para permanecer no campo. Mas temos déficit do ponto de vista logístico e tributário. O Brasil passa por um processo de desindustrialização da soja. A última planta esmagadora de soja lançada foi em 2007, lá em Porto Franco (MA), pelo grupo Algar, depois disso não tivemos mais nenhum lançamento. Ou seja, nosso setor não tem o devido reconhecimento, seja da sociedade, seja do governo. O Gustavo Spadotti, pesquisador da Embrapa, mostrou que o Brasil preserva em termos de área florestal o correspondente a R$ 2,4 trilhões de terras. E nossa preservação ambiental corresponde ao tamanho de 48 países da Europa. Ou seja, o Brasil é altamente produtivo além de ser o país que mais preserva no mundo, e, apesar disso tudo, a sociedade não reconhece o setor.

Até quando deve durar o ciclo econômico da soja?

É preciso separar o ciclo econômico, olhando para a demanda e para a produtividade. Quando se faz soja atrás de soja, monocultivo, obviamente você vai penalizar a produtividade. Esse é um dos pontos que precisam ser destacados. Dentre os produtores que ganham o concurso, boa parte deles têm uma diversidade de culturas que estão sendo exploradas no mesmo solo. Mas quando a gente olha do ponto de vista de demanda, há uma demanda gritante a longo prazo. O Brasil consome 98 kg de carne por habitante por ano, com 200 milhões habitantes. E a China consume 55 kg de carne por habitante/ano, com 1,4 bilhão de habitantes. Então, se a China consumir carne no mesmo nível que o Brasil, a necessidade que eles vão ter de farelo de soja, para dar de ração para o suíno e o frango, é uma imensidão. Se falarmos em termos de ciclo econômico de demanda para a soja, ainda temos um prazo superlongo, e quem abastece basicamente é o continente americano, a América do Sul e a América do Norte.

É por isso que a gente sempre fala que o Brasil não tem só uma responsabilidade interna. Temos responsabilidade de alimentar o mundo. É um dos poucos lugares com possibilidade de ampliar as terras agrícolas e ainda temos capacidade hídrica; então, temos essa responsabilidade social de abastecer o mundo.