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Foto: Mercadoteca/Divulgação.
Foto: Mercadoteca/Divulgação.| Foto:

Carol Nery, especial para a Gazeta do Povo

Curitiba começa a ser considerada uma espécie de capital brasileira das vilas gastronômicas, como se convencionou chamar, de modo geral, os espaços que oferecem um mix de estabelecimentos com opções especialmente para comer e beber, muitos deles em estruturas de contêiner. O boom gastronômico na capital paranaense nos últimos dez anos incentivou a inauguração da Mercadoteca, em outubro de 2015, no Mossunguê, e foi um pontapé para o movimento, que se alastrou por variadas regiões da cidade.

No ano seguinte, em 2016, chegou a Ca’dore Comida Descomplicada, no Bacacheri, em seguida o Distrito 1340, no Seminário, o Total Storage Boulevard, no Batel, e o Mercado Sal, no Portão. Virou tendência. O movimento explodiu e hoje são cerca de 20 estabelecimentos que seguem a proposta de vila gastronômica. E ainda para este ano e o próximo estão previstas mais inaugurações.

A tendência por novas e personalizadas experiências, em todos os segmentos, é global, mas Curitiba vive um fenômeno exclusivo com a proposta de uma gastronomia mais artesanal e local. “Há projetos similares em várias partes do mundo, mas essa quantidade e velocidade de crescimento é uma característica da cidade. Não temos dados concretos, mas por feeling pode-se dizer que hoje Curitiba é a capital das vilas gastronômicas”, avalia a especialista em comportamento e tendências do consumidor Carolina Sass de Haro, sócia-diretora da Mapie Consultoria, de pesquisa de mercado.

Ela destaca a veia gastronômica da capital como essência, com suas feiras, indústrias e cervejarias artesanais e a combinação de tendências de compra e consumo. “Elas têm de ser rodeadas de experiências, momentos legais em família e com amigos e não somente pensadas na gastronomia. É um tipo de programa que o curitibano tem prazer de fazer. É a nossa praia.”

Apesar da invasão de vilas e centros gastronômicos, ainda há espaço para mais. É preciso, porém, tomar cuidado com o modelo, comenta a analista de tendências Andrea Greca, fundadora da consultoria Berlin. “Existe um ciclo da tendência. Ela começa com os inovadores, que são os primeiros, de repente é amplamente imitada e chega numa saturação. O passo seguinte é decair.”

Segundo a especialista, é necessário que se analise muito bem o mercado da região onde será aberto o negócio e oferecer uma alimentação de muito boa qualidade. “Em Curitiba, estamos seguindo para um nível de maturação, então todo cuidado é pouco. Vai se diferenciar quem tiver planejamento estratégico, cuidado com parceiros, variedade, qualidade, ponto e estar atento ao que as pessoas demandam. Quem vai inovar não pode estar de olho em modismo”, orienta Andrea.

Localização é o ponto alto das novas vilas

Com 54 operações em contêineres, entre lojas, serviços e gastronomia, a Vila Urbana, com nova previsão de abertura até o final deste mês de outubro, estará em uma região estratégica de Curitiba. O acesso ao empreendimento, em um terreno de 2.500 metros quadrados que funcionou como estacionamento nas últimas três décadas, será pela Avenida Marechal Deodoro e pela Rua José Loureiro. Pela região circulam cerca de 300 mil diariamente e há aproximadamente 40 mil habitantes no entorno. O grupo de seis sócios investiu R$ 3 milhões na estrutura, sendo R$ 1 milhão somente em garagem vertical, com 120 vagas.

Apesar da cidade já ter tantos espaços semelhantes, a localização é o grande trunfo da Vila Urbana. “O ponto central é estratégico. Todas as outras vilas são setorizadas em bairros e dificilmente terá outras de mesmo porte”, afirma o sócio-proprietário Thomé Sabbag Neto. Do ponto de vista comercial, a localização foi um grande facilitador. A comercialização dos espaços foi iniciada em janeiro e em um mês foram fechados quase todos os contratos, segundo Neto.

“O empresariado gastronômico sabe que o fluxo do centro é grande e em comparação aos demais locais terão um excelente faturamento, especialmente na hora do almoço, enquanto outros empreendimentos têm maior fluxo em horário de happy hour e aos finais de semana.” O empresário estima uma média de 400 refeições ao dia, por operação.

Com a expectativa de uma grande demanda de pessoas, o desafio logístico será grande. Para evitar problemas com filas e demoras, foi desenvolvido um aplicativo pelo qual, além de uso para delivery, o usuário poderá adiantar seu pedido e o pagamento dele, por meio de cartão de crédito, antes mesmo de chegar à Vila Urbana para o consumo. “Também teremos tokens de autoatendimento no local para otimizar o fluxo.”

Para o mês seguinte, será inaugurada a vila gastronômica Souq, com 33 operações, em uma área construída de 2.300 metros quadrados. O empreendimento está em fase de obras em um terreno na esquina das avenidas Iguaçu e Arthur Bernardes, na confluência entre os bairros Vila Izabel, Santa Quitéria e Seminário. Pela região transitam cerca de meio milhão de pessoas todos os dias, um quarto da população de Curitiba, e lá moram aproximadamente 200 mil, o que deve impactar em um fluxo diário de 80 mil a 100 mil na Souq.

Silvio Mariz e Andréa Fior, da Souq. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo.

A estrutura recebeu investimento de R$ 5 milhões, com recursos próprios dos sócios do empreendimento. Além da localização, os proprietários apostam em propostas inovadoras. A vila Souq terá uma cozinha gourmet, para ações como aula-show e apresentação de chefs, e um espaço para locação de 130 metros quadrados, que poderá ser usado para eventos, como festas ou lançamentos. Além disso, palco para shows musicais e espaço kids.

“Mais que um espaço gastronômico, será um ponto de entretenimento. Acreditamos que deverá trazer um incremento de 20% nas receitas do empreendimento e dos lojistas, que poderão ofertar seus produtos para estas ocasiões”, afirma o sócio-proprietário Silvio Mariz.

Com capacidade para 900 pessoas e 140 vagas de estacionamento, a Souq tem como foco as famílias, muito em virtude da faixa etária dos moradores da região, que varia entre 37 e 40 anos. Segundo Mariz, há ainda três operações em aberto. A maioria delas é de marcas consolidadas no mercado. Como estreante, a vila terá um grill de culinária mongol, do mesmo proprietário do Swadisht.

Espaços novos já têm foco em expansão do modelo dentro e fora da capital

Dois dos sócios do Fresh Live Market.

Mário Delara e Eduardo Petrelli. Foto: Fresh Live Market/Divulgação.

Entre alguns dos empreendimentos, o sucesso do modelo trouxe como consequência projetos de expansão, tanto para abertura de nova unidade na capital, como em outros estados. Chamado de shopping de entretenimento pelos sócios Eduardo Petrelli e Mário Delara, o Fresh Live Market foi inaugurado em março deste ano no bairro Batel. Em seis meses de operações, os 32 estabelecimentos movimentaram mais de R$ 12 milhões, com uma média mensal de fluxo de 40 mil pessoas.

São 3 mil metros quadrados de estrutura, com capacidade para 500 pessoas sentadas em quatro praças de alimentação. O empreendimento prepara para 2019 a chegada em outras cidades, sendo uma no próprio estado e duas fora do Paraná com a mesma proposta atual, de oferecer não somente alimentação, mas serviços, como academia, SPA e barbearia. “O Fresh busca otimização de tempo e entretenimento. Não é um local apenas para ir almoçar ou fazer um happy hour. É possível comer um espetinho japonês ou uma ostra preparados na sua frente, assistir a um stand up, mas também fazer uma massagem, academia ou a barba”, diz Petrelli.

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Esta é uma tendência para os bairros, na opinião do empresário. “Acredito que no futuro os shoppings diminuirão de tamanho, porque as pessoas compram muito pela internet. Porém, para alguns serviços é preciso se movimentar e isso é o que trará o fluxo para o espaço gastronômico.”

Em abril, o bairro Água Verde ganhou a minivila Mondrí, com seis operações. De lá para cá, o local recebe uma média de 5,5 mil pessoas por mês, mas a capacidade, segundo o sócio Ricardo Coelho, é para 12 mil. Para dia 21 de dezembro, está prevista a inauguração da segunda unidade da marca. Será em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, a 800 metros do Aeroporto Afonso Pena. A nova vila será bem maior, com 35 operações e capacidade de receber de 60 mil a 80 mil pessoas mensalmente.

Outras duas unidades estão em fase final de planejamento arquitetônico e financeiro, ainda sem locais informados. Para Coelho, é preciso estar atento à gestão, para evitar que caia no modismo e não sobreviva, e não focar somente na gastronomia. “Nosso diferencial já se mostra quando vemos empreendimentos perdendo locatários. Não pensamos em ser um espaço de alimentação, mas de gastronomia, lazer e turismo.”

Pioneiros se reinventam para se manterem vivos

A Mercadoteca completa três anos neste mês de outubro. Fundada pela CGM, da empresária Carolina Gomes Malucelli, foi comprada há cerca de três meses pelo Grupo Vino!, comandado pelo empresário Raphael Zanette — presente no local como lojista desde a inauguração, com os bares Vino! e Olivença Tapas. Ele anunciou recentemente novidades para a partir de novembro, com o objetivo de fortalecer a operação e transformar a Mercadoteca em um espaço mais cultural. O empresário estuda mudanças de layout, com a possível criação de um mezanino, com pequenas operações de serviços como manicure, massagem e loja de conveniência.

mercadoteca pioneira das vilas gastronomicas de Curitiba

Fachada da Mercadoteca, no Mossunguê.

A ideia é atrair de volta à Mercadoteca o público de outras regiões da cidade, que ganharam novas opções e deixaram de frequentar o espaço. “A Mercadoteca foi uma iniciativa de vanguarda e colheu todos os frutos possíveis no primeiro ano. A partir disso vieram outros modelos parecidos e naturalmente houve uma diminuição de frequência de público, por conta da pulverização. Quando é novidade as pessoas vão até ela, mas depois de um tempo deixa de fazer parte do dia a dia”, avalia Zanette.

Com as vilas instalando-se por variadas regiões da cidade, o empresário aposta em diferenciar a Mercadoteca das demais oferecendo elevado nível gastronômico dos restaurantes e ações voltadas às crianças. “Nos outros vemos uma gastronomia mais simples e são mais espaços de balada, centros noturnos, mais jovens. Nossa vocação é familiar.” Outra aposta é cultural, com minuciosa curadoria para a oferta de atrações musicais. “Dessa maneira, despertamos o interesse de pessoas que moram em locais mais distantes para eventualmente estarem na Mercadoteca, por ser algo único.” O espaço tem 14 operações e fluxo mensal de 25 mil pessoas, em média.

O frisson inicial comentado por Zanette aconteceu também com o Mercado Sal, que está completando seu primeiro ano este mês. O lojista Afonso Natal, proprietário do Sirène, especializado em fish n´chips, conta que nos meses de outubro, novembro e dezembro do ano passado o estabelecimento chegou a faturar uma média mensal de R$ 90 mil, acima das expectativas. Eram 500 vendas por dia. Em um movimento que considera geral no local, viu uma queda brusca do negócio, devido à diminuição de fluxo no empreendimento. “O faturamento caiu em torno de 70% a partir de janeiro, seguindo assim até maio.”

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Natal, que investiu R$ 100 mil nesta unidade do Sirène, teve que reduzir a equipe pela metade, de seis para três funcionários, e chegou a pensar em desistir do local, como aconteceu com alguns vizinhos de ponto. O que o segurou foi uma leve recuperação desde então, que coincidiu com a chegada de uma nova equipe de administração, segundo o empresário. Nos últimos meses, revela Natal, a média de faturamento está em R$ 45 mil, 50% do volume inicial, mas ainda dentro de uma margem de segurança para manter a operação. “Dia de semana é um movimento bastante baixo. A cidade ganhou muita concorrência e Curitiba não suporta tanto assim.”

Outro lojista do Mercado Sal, que preferiu não se identificar, não resistiu à pressão. Após seis meses de funcionamento, ele fechou as portas do estabelecimento. O empresário também viu o faturamento de R$ 90 mil mensais cair para R$ 40 mil. “Era o que precisava para pagar as contas. Mas, para ser um negócio saudável, precisava de pelo menos R$ 60 mil. Enquanto a meta era vender 200 pratos por final de semana, estavam saindo 30. Vendia mais chope que comida e não era esse o foco”, reclama.

De acordo com o gerente geral do Mercado Sal, Guilherme Amaral, a vila recebe uma média de 100 mil pessoas ao mês e tem hoje 42 operações em funcionamento, com espaço para 46. Ele, no entanto, credita o fechamento de algumas operações pela falta de identidade do público com as propostas. “A maioria dos segmentos no ramo alimentício deu certo. Em outros, o público não aderiu ao que foi apresentado pelos restaurantes e acabaram fechando”, diz.

Segundo ele, passado este primeiro ano, o Mercado Sal está focado em oferecer entretenimento e serviço para os clientes, como a inauguração recente de uma franquia de estande de tiro airsoft. O gerente não informou a média de faturamento do Mercado Sal desde a inauguração. “Foi um ano fantástico para o Mercado Sal, confirmando tudo que foi projetado para oferecermos ao público”, afirma Amaral.

Ele adianta que o espaço terá novidades, com a abertura de seis novas operações, sendo duas delas de marcas inéditas em vilas gastronômicas. “Serão exclusividade do Mercado Sal.” Em setembro, o empreendimento recebeu o prêmio de Melhor Ambientação de Vilas Gastronômicas, oferecido pelas revistas Bom Gourmet e Haus, da Gazeta do Povo.

Visão geral da Ca'dore.

Ca’dore, no bairro Bacacheri. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Com quase dois anos de inauguração, o Ca’dore Comida Descomplicada tem projetos de expansão. Os proprietários estiveram há pouco em viagem de negócios pela Europa, sobretudo pela Itália, para prospectar novidades para a vila gastronômica. A ideia é replicar o modelo em outras cidades. Segundo o sócio Roberto Kenicke, o espaço de 38 operações, com capacidade para mais três, recebe cerca de 60 mil pessoas por mês e cresce a um ritmo de 15% por semestre.

Kenicke conta que, pelo ineditismo, o Ca´dore acabou por sofrer algumas dificuldades no início com os órgãos regulamentadores da atividade de operação em contêineres. Isso porque vários destes complexos gastronômicos caem no critério de shoppings enquanto o empresariado busca uma legislação exclusiva. “Eles [poder públivo] não estão adaptados para a inovação nos negócios, que trazem crescimento e visibilidade à cidade, mas felizmente [as dificuldades] foram sanadas ao longo do tempo.”

Representantes da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), do Sindicato das Empresas de Gastronomia, Entretenimento e Similares (Sindiabrabar) e parte do empresariado estiveram reunidos com a prefeitura de Curitiba no início do ano em busca de regras específicas. “Acreditamos no bom senso e agilidade dos órgãos públicos no curto prazo para apoiar a geração de empregos, renda e negócios, haja vista os benefícios trazidos à comunidade por meio de nosso empreendimento”, diz Kenicke.

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