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Ministério da Justiça determina intervenção em unidade prisional e protocolos são revisados após fuga de integrantes do Comando Vermelho.
Ministério da Justiça determina intervenção em unidade prisional e protocolos são revisados após fuga de integrantes do Comando Vermelho.| Foto: Divulgação/Senappen

A primeira fuga de um presídio de segurança máxima no país, registrada nesta semana, levanta questionamentos sobre como foi possível a execução do plano por uma facção criminosa dentro de unidade que integra o sistema tido como modelo no processo de execução penal. Crime de oportunidade ou com vasta ajuda externa e com interligação de atos criminosos, o poder público terá que dar respostas sobre essa derrota frente às facções brasileiras.

Em 18 anos de existência do sistema federal - que concentra cerca de 900 presos de alta periculosidade em cinco unidades espalhadas pelo país - esta não foi a primeira tentativa, tendo em vista que os prezados serviços de inteligência do setor têm histórico de desmantelar planos nas unidades federais, como foi o caso de Marcos Camacho (o Marcola), líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), no ano de 2019. Mas agora foi a primeira vez que uma facção - o Comando Vermelho (CV) - obteve êxito na fuga.

O sistema federal de segurança máxima foi construído a partir do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), motivado por ataques do crime organizado à ordem nacional e com a intenção de propagar o terror. Um deles foi desencadeado contra o juiz Antonio José Machado Dias, assassinado pelo PCC em março de 2003. No mesmo período, a facção criminosa provocou uma onda de terror em alguns estados, com destaque para São Paulo.

Os presídios federais nasceram, então, com o objetivo de isolar criminosos e cortar a linha de comando dos apenados, uma vez que em penitenciárias estaduais eles seguiam dando ordens aos comparsas fora da cadeia. O objetivo era tirá-los das unidades superlotadas, com histórico de pouco controle em segurança e visitação.

Em março de 2006, foi inaugurado o primeiro presídio federal de segurança máxima em Catanduvas (PR), a 476 quilômetros de Curitiba. A unidade tem capacidade para cerca de 160 detentos e concentra criminosos ligados ao Comando Vermelho, facções associadas e aquelas consideradas simpatizantes.

A estratégia das unidades federais é manter presos ligados a um mesmo grupo criminoso, diminuindo riscos de motins ou rebeliões. Até hoje, o sistema de segurança máxima nunca registrou um caso desses.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) aplicado nas unidades é temido pelos criminosos. Em 2020, o traficante Elias Maluco - mandante do assassinato do jornalista Tim Lopes em 2002 - tirou a própria vida dentro da unidade em Catanduvas após afirmar que estava em um processo depressivo provocado pelo isolamento.

Os presos ficam em celas individuais de cerca de 6 metros quadrados com cama, banheiro, chuveiro, cadeira e mesa, têm pouco contato com outros detentos e direito a um banho de sol diário de duas horas. Eles só se locomovem fora das celas algemados.

A fuga desta semana do presídio de Mossoró (RN) - unidade inaugurada em 2009 - teria sido possível a partir do banho de sol de dois presos ligados ao Comando Vermelho, maior facção criminosa do Rio de Janeiro e que opera além do estado. O presídio federal em Mossoró e tem capacidade para 208 apenados.

As investigações pretendem apurar se uma reforma feita no local, com ferramentas disponíveis, auxiliou na fuga - a dupla do Comando Vermelho estava no sistema penitenciário federal há menos de seis meses.

Para quem trabalha no sistema prisional, os foragidos não são considerados integrantes da linha direta de comando da facção, e sim membros da parte operacional do crime, tendo em vista as condenações por roubo, sequestro e tráfico de drogas. Nesta quinta-feira (15), o governo federal anunciou a suspensão de banho de sol e visitas em presídios do sistema.

Sem visitas com contato íntimo e rigor nas conversas por vídeo ou parlatório

Desde 2017, os cerca de 900 detentos nestas cinco unidades federais não têm direito a visitas íntimas com contato físico. Em 2019, isso ocorreu de forma definitiva a partir da determinação do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro (União Brasil-PR).

“Desde 2006, quando foi inaugurada a primeira unidade, em Catanduvas, nunca tinha havido uma fuga de presídio federal. São necessários esclarecimentos do Governo Federal sobre o ocorrido”, alertou o senador no X (antigo Twitter) nesta quarta-feira (14). Moro foi juiz federal corregedor na unidade de Catanduvas nos primeiros anos de funcionamento.

Desde então, as visitas ocorrem exclusivamente por parlatório, onde a conversa pode ser monitorada pelos policiais penais, ou por videoconferência. A determinação ocorreu depois que investigações da Polícia Federal (PF) indicaram que três policiais penais foram assassinados por determinação de líderes do PCC que estavam em unidades federais. Um dos mortos estava lotado em Mossoró e dois em Catanduvas. Segundo a PF, eles enviaram recados, por meio de advogados ou familiares, a partir das conversas privadas nas visitas.

No mês passado, uma mulher acusada de ser articuladora do Comando Vermelho na região de fronteira com o Paraguai foi presa em flagrante durante uma visita ao marido em Catanduvas. De acordo com a investigação, ela recebia informações do companheiro sobre ações para o tráfico de drogas e outros crimes.

O esquema para que visitantes entrem nos presídios é altamente rigoroso, com uma série de scanners e detectores de metais, além de revistas minuciosas. “Não acreditamos que isso [a fuga em Mossoró] possa abrir precedentes para novos casos. O sistema é muito rigoroso”, afirma um policial penal federal que optou por não ser identificado.

Em busca de explicações após fuga do Comando Vermelho: onde estão as falhas?

O foco agora está em descobrir como a fuga em Mossoró foi arquitetada. A PF instaurou inquérito para apurar os fatos, a direção da unidade foi afastada e o Ministério da Justiça (MJ) anunciou intervenção na unidade. É preciso identificar se foi por oportunidade ou se foi planejado, com algum tipo de interferência ou pela conivência do momento.

O solário onde os presos ficam para o banho de sol é completamente fechado por telas. A estrutura prisional é fortemente monitorada com o uso de câmeras e policiais penais que portam armas de grosso calibre.

Os presos teriam fugido por um buraco nessas telas, apesar de o MJ não ter confirmado a informação nem o horário da fuga. “Nos provoca estranheza que serviços de inteligência tenham desmantelados esquemas como o de captura programada do Marcola em 2019 e não terem conseguido identificar o risco desses presos fugirem do sistema em Mossoró, o que nos leva a crer que foi algo de oportunidade. Mas alguma falha houve e isso vem sendo apurado”, completou um policial penal ouvido pela reportagem da Gazeta do Povo e que já atuou em Mossoró.

Sem superlotação e com celas vazias

As cinco unidades federais – Porto Velho (RO), Campo Grande (MS) e Brasília (DF), além de Catanduvas e Mossoró – têm sobras de celas, sem nenhum registro de superlotação em 18 anos. Essas reservas servem para transferências de presos vindos de unidades penais que não integram o sistema federal, além do rodízio de rotina entre os custodiados que estão no sistema penitenciário de responsabilidade da União.

Em média, cada preso fica até dois anos em um mesmo presídio obedecendo o que determina o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

As transferências são sempre aéreas e mercadas por forte esquema de segurança para evitar fugas ou ataques para resgate. Nunca houve registro de tentativas de resgate.

Outro ponto de questionamento sobre a fuga do Comando Vermelho em Mossoró é o fato de ter acontecido na mesma unidade onde, há cerca de um mês, está Fernandinho Beira-Mar, principal líder da facção e que até então estava preso em Campo Grande. “Se fosse algo arquitetado, por que não levariam ou tentaram levar o Beira-Mar?”, indagou o policial penal ouvido pela reportagem.

A Gazeta do Povo enviou uma série de questionamentos ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, assim como à Secretaria Nacional de Políticas Penais, a quem o sistema penitenciário federal está vinculado. A secretaria informou que “o secretário André Garcia, da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) está a caminho de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para investigar os fatos e apurar as responsabilidades do ocorrido. A Polícia Federal foi acionada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e está tomando todas as providências necessárias para a recaptura dos foragidos e a apuração das circunstâncias da fuga”. O MJ não havia, até a publicação desta reportagem, se manifestado.

A Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e forças estaduais de segurança atuam para tentar localizar a dupla que fugiu, com apoio de aeronaves.

Na página da Secretaria Nacional de Políticas Penais, a informação é que o Sistema Penitenciário Federal (SPF) é um regime de execução penal concebido com a finalidade de combater o crime organizado, isolando as lideranças criminosas e os presos de alta periculosidade. “Desde a sua criação, é referência de disciplina e procedimento, uma vez que nunca houve fuga, rebelião nem entrada de materiais ilícitos nas unidades penitenciárias, aplicando-se fielmente a Lei de Execuções Penais (LEP)”, informa.

Como os fugitivos chegaram ao sistema penitenciário federal

Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça estavam no sistema penitenciário federal desde setembro do ano passado, após transferência do Acre. Eles eram custodiados no Complexo Penitenciário de Rio Branco e a mudança ocorreu após articularem, segundo a polícia local, uma rebelião de grandes proporções em outra unidade prisional.

O motim em julho do ano passado deixou cinco mortos, três deles decapitados, e dezenas de feridos. Além deles, ao menos outros 12 detentos foram encaminhados a unidades federais na mesma ocasião.

A reportagem da Gazeta do Povo apurou que, após o registro da fuga de integrantes do Comando Vermelho em Mossoró, foram revisados protocolos e reforçados esquema de segurança, vigilância interna e externa em todas as unidades prisionais federais. Juntos, os dois presos faccionados somam condenações de mais de 150 anos.

Rogério da Silva Mendonça tem 74 anos de prisão, enquanto Deibson Cabral Nascimento soma 81 anos de condenação. Os dois respondem a mais de 30 processos.

Correção

O nome de Marcos Camacho foi corrigido.

Corrigido em 15/02/2024 às 13:00
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