
Veneza, Itália - Oamor eterno de Cathy e Heathcliff revive na adaptação de O Morro dos Ventos Uivantes que a inquieta e surpreendente escocesa Andrea Arnold apresentou no Festival de Veneza. O novo filme está longe de ser meramente um revival. Caso você tenha se lembrado da romântica e iconográfica produção que William Wyler realizou, em 1939, do fenômeno literário e cultural vitoriano, escrito em 1847 por Emily Brontë, esqueça. Como também esqueça as outras quinze versões feitas para o cinema, inclusive aquelas mais cult a mexicana de Luis Buñuel, em 1954, a francesa de Jacques Rivette, em 1985 e a japonesa de Yoshishige Yoshida, de 1988. Quer dizer, pode-se recordar sim das principais referências e informações, elas estão todas presentes. Mas a visão desconcertante de Andrea Arnold fica bem longe das previsões mais confortáveis e convencionais. O que pode ter provocado algumas das vaias na sessão para a imprensa.
Para começar, Heathcliff agora surge no início da trama como o garoto adotado pelo fazendeiro de Yorkshire não apenas pobre, mas decididamente negro. E assim permanece quando adulto, não com a pele escura porque queimada de sol, bronzeado como pareciam Laurence Olivier e Ralph Fiennes, para ficar com dois entre mais ilustres da galeria de Heathcliffs. O Heathcliff do momento é negro e enfrenta um violento preconceito gerado por essa condição.
Natureza como moldura
Ao longo de 128 minutos, o impacto se materializa mais e mais na releitura de Andrea Arnold. Ela acentuou, por exemplo, a participação "física" da natureza, que não apenas emoldura a narrativa mas está entranhada nas pessoas e em seus sentimentos, quase sempre uma natureza severa, uma espécie de morta-viva, selvagem, chuvosa, lamacenta, imersa em brumas, em neve, em formas retorcidas nas quais obviamente o vento exerce o mesmo papel que está na essência do romance. Nesse sentido, a fotografia de Robbie Ryan é absolutamente orgânica.
Os animais também não têm vida fácil nesse entorno, e sua condição de acessórios à disposição da porção cruel dos personagens é evidente. Raramente a câmera sai da mão de quem a opera. Quase nunca se ouve música. Raramente há diálogos longos, e a resolução da dramaturgia se faz em planos-sequência. O elenco funciona com enorme eficácia, mesmo se tratando de um grupo no qual estreantes ocupam postos de destaque a exceção principal entre os protagonistas é a Cathy interpretada pela inglesa Kaya Scodelario, jovem promessa que aliás conversa fluentemente em português.
"Fiz o filme como uma jornada, longa, difícil mas sempre interessante", revelou Andrea na coletiva até agora menos concorrida entre os candidatos ao Leão de Ouro. "Nunca pensei em fazer um filme de época. Mas fiquei obcecada com a ideia de honrar a essência desse romance estranho, profundo, dark." Claro que tal concepção vai encontrar opositores indignados, mas ninguém poderá negar que se trata de obra instigante e construída com a mesma paixão que uniu os personagens de Emily Brontë.



