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Entrevista com Carlos Nascimento Silva, escritor.

Carlos Nascimento Silva, apontado com unamidade pela crítica como um dos mais importantes escritores brasileiros, afirma: "Prefiro Philip Roth a qualquer outro escritor vivo que te­­nha lido."

Silva, que venceu o prêmio Jabuti, edição 2005, com o ro­­mance Desengano, consagrado co­­mo umas mais relevantes lon­­ga narrativas contemporâneas, concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo pa­­ra falar sobre Roth.

O escritor brasileiro definiu o seu autor predileto (Roth) como, antes de mais nada, um pensador. E também disse o que não gosta na ficção de Roth. Confira:

Qual é o aspecto da literatura de Philip Roth que mais chama a sua atenção?

O aspecto que mais gosto na literatura de Philip Roth é conteudístico: sua preocupação com o ser humano, sua procura, sua busca no interior do homem: a mentalidade, o caráter, psicologia, sentimentos, emoções, sensações. Já que o leio traduzido do inglês, nem posso ter ideia de sua qualidade literária em termos estilísticos, ou seja, o aspecto formal de sua escritura. Portanto, voltemos àquilo de que gosto e não gosto, na literatura de Roth, dentre o que posso aquilatar.

O que seria?

Gosto de seu grau de cultura, de sua capacidade de análise do mundo objetivo mas, principalmente, de seu mergulho vertical no interior do ser humano. E aí mora, também, o que me­­nos gosto em seus textos. Uti­­lizando um exagero didático, é quase como se fosse uma distinção entre o texto ensaístico e o texto ficcional. A mim me parece importante que um romancista tenha uma vertente criativa, de aspecto ficcional, que em Roth é bastante pequena. Pode-se perguntar: "Mas ficcional em que sentido? Por favor, dê um exemplo!" Hoje, eles são muitos. O maior deles, talvez, Tol­­kien, criador de todo um universo ficcional. Em resumo, existe todo um aspecto de criatividade romanesca que não é o forte de Roth. Na verdade, ele é muito mais um pensador – e que pensador! – como alguns outros romancistas. É quase como se a literatura lhe servisse de pretexto para pensar a vida, pensar o mundo. Até mesmo escolas literárias, inteiras, tiveram este vezo (costume vicioso), mais, este modelo, este objetivo. Às vezes é o inverso. São en­­saístas, da melhor qualidade, que se deixam emocionar e ro­­mantizam, poetizam um texto que se devia manter... vamos di­­zer, menos metafórico. Mas isto é uma questão para a teoria do discurso.

Quem são os autores com quem Roth dialoga?

A ideia de que os artistas procuram modelos aos quais buscam assemelhar-se parece, há algum tempo, simplista. Se há uma coisa que um artista busca é criar; o que mais deseja, inovar. Conheci artistas que buscaram fechar os olhos a seus antecessores, tal o medo de que as obras deles os contaminassem com idéias que não fossem as do próprio autor. Quanto aos autores que Roth lê, provavelmente, serão muitos, já que todo escritor é, antes de tudo, um devorador de livros. E saber o que ele lê não nos permitiria estabelecer influências, segundo a crença comum. Nem mesmo os computadores teriam memória para tanto!

Sobre o que Roth ainda não escreveu?

Philip Roth, como a maioria dos romancistas sérios e responsáveis, escreveu sobre as grandes preocupações humanas: desejo, sexualidade, velhice, morte, di­­ferenças e semelhanças, sucesso e fracasso, bondade e maldade etc. Mas esses temas, apesar de recorrentes dentre as preocupações humanas, são muito variados e, assim, cada autor tende a tematizar as preocupações que mais os tocaram, em sua vivência. Penso que esses temas, mesmo sendo recorrentes, como dissemos, talvez possam ter uma listagem imensamente grande, dadas suas especificidades, em cada caso. Talvez fosse possível listar certo número de paradigmas, mas onde isso nos levaria? Cito um exemplo. Eu não diria que Roth se haja preocupado, especialmente, com sadomasoquismo, em sua obra.

Por que ler Philip Roth?

Não sei responder a isto. Penso que cada pessoa deva escolher, livremente, o que quer ler, pelo simples motivo de que o interesse de cada pessoa varia imensamente. Se considerarmos que lendo 12 horas por dia, durante toda nossa vida útil, ainda assim não teremos lido mais do que uma fração infinitesimal daquilo que foi escrito pela humanidade, temos que ter a humildade de jamais publicar mais uma antologia.

É possível reconhecer os leitores de Philip Roth? Ou, de ou­­tra maneira: o que há de co­­mum entre os leitores de Roth?

Creio que se interessam mais pela obra de Philip Roth pessoas que gostam das chamadas ciências humanas e sociais, uma vez que são os assuntos mais tratados pelo autor. Não tenho muita certeza de que seus escritos atraiam os práticos engenheiros ou médicos de hoje, parece que os de antigamente, sim, assim como parecem atrair psicólogos, professores, antropólogos culturais, filósofos e literatos, embora isto, muitas vezes, dependa de educação e valoração dos pais pela literatura.

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