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Rogue One: nossos medos e esperanças e culpas, expostos nus e crus, repousam não nas nossas estrelas, mas em nossas guerras. | Film Frame ILM/Lucasfilm-Walt Disney Studios/Divulgação
Rogue One: nossos medos e esperanças e culpas, expostos nus e crus, repousam não nas nossas estrelas, mas em nossas guerras.| Foto: Film Frame ILM/Lucasfilm-Walt Disney Studios/Divulgação

Alguns dias antes da estreia do mais novo filme da série Star Wars, o chefe executivo da Disney, Bob Iger, disse ao Hollywood Reporter que “Rogue One: uma História Star Wars” não é um filme político. Iger pode não enxergar “posicionamentos políticos” no novo filme, mas ele não pode negar as raízes da franquia. Isto é, a não ser que ele acredite honestamente que um épico de guerra criado por um jovem idealista no auge da Guerra do Vietnã – um roteirista que via no próprio Império sinistro que ele mesmo criou um futuro próximo em potencial para os seus amados EUA – poderia não ser um filme político.

Em outras palavras, a geopolítica está embrenhada a fundo na matéria que compõe Star Wars, se não no próprio título. George Lucas colheu o seu épico espacial no norte da Califórnia do mesmo modo que o seu colega Francis Ford Coppola prepara o seu vinho: O solo fértil da época e do local absorve tudo que está no ar. E, em 2016, os cineastas de “Rogue One” estão servindo uma versão daquilo que eles mesmos consumiram na época em que eram jovens – no caso do diretor Gareth Edwards, essas influências incluem o próprio Lucas da época de 70, bem como Spielberg e Coppola, que representaram colisões de forças ameaçadoras e violentas, muitas vezes em escala épica.

E é por isso que eu estou convencido que o emocionante terceiro ato de “Rogue One” parece algo que o próprio Lucas teria concebido se tivesse conseguido juntar num filme só o seu “Star Wars” de 1977 e “Apocalypse Now” (um filme que ele quase acabou dirigindo) – e então combinado o visual de ambos os filmes com o golpe de mestre técnico possibilitado pela magia dos efeitos do século 21 que ele desenvolveu na Lucasfilm.

Porque “Rogue One” não é simplesmente uma história sobre uma guerra, mas é um filme de guerra moderno, em que os efeitos gerados por computador têm como base, visualmente, um realismo de estilo documental – uma versão sombria da experiência sensorial que estava na cabeça de Lucas mais de quatro décadas atrás e realizada de maneira marcante.

Vietnã

Enquanto fazia os primeiros esboços do roteiro de Star Wars em 1972-73, Lucas havia famosamente se inspirado numa variedade de fontes da cultura pop do meio do século, incluindo quadrinhos espaciais, romances de ficção científica, séries de bangue-bangue na TV e mitos antigos – de Isaac Asimov a Harry Harrison, de Jack Kirby a Alex Raymond. E então estourou a guerra.

“Até o Vietnã estava na cabeça dele, como consequência do [então] abandonado ‘Apocalypse Now’”, escreve Brian Jay Jones em sua excelente nova biografia “George Lucas: A Life”. O autor continua:

“‘Eu imaginei que não fosse conseguir fazer o filme por causa da Guerra do Vietnã’, disse Lucas, ‘por isso, eu quis lidar essencialmente com os mesmos conceitos interessantes que eu usaria e convertê-los numa fantasia espacial, de modo que você teria um grande império tecnológico enfrentando um pequeno grupo de combatentes pela liberdade’”.

Jones prossegue e observa que Lucas criou o planeta Aquilae como “um pequeno país independente, como o Vietnã do Norte, ameaçado pela rebelião provinciana de um vizinho”, segundo Lucas, e o Império seria “como os EUA dali a dez anos”.

Jones também cita um sócio de Lucas que disse, “A maioria das pessoas não percebem que essa parte [de Star Wars] é sobre a situação do Vietnã”. Lucas, talvez ainda de luto por ter perdido a chance com o “Apocalypse Now”, de Coppola, viria mais tarde a filmar as suas próprias cenas literalmente ambientadas no Vietnã então, na sua sequência para “Loucuras de Verão”, lançada em 1979, “American Graffiti – E a Festa Acabou”.

Dia D

Agora, quase 40 anos após o primeiro Star Wars estabelecer o equivalente cinematográfico a uma “cabeça de praia”, como se diz no jargão militar, finalmente teremos um filme, à parte da série principal, que serve como seu prólogo direto, que é “Rogue One”.

Não é de se surpreender, então, que Edwards, cuja adoração por Star Wars chegou até a levá-lo a fazer filmagens na Tunísia (onde Lucas filmou o primeiro filme), tenha ambientado a batalha climática de “Rogue One” no planeta tropical Scarif, que suscita ecos sinistros das décadas de filmes clássicos e fotografias icônicas de guerra (incluindo imagens do Dia D). De quebra, quase como se fosse um presente cinematográfico a Lucas, ele oferece ainda alusões visuais a “Apocalypse Now”, de forma ainda mais direta do que “O Despertar da Força” do ano passado (com a cena das naves e suas silhuetas no sol).

Num ano eleitoral de divisões e emoções à flor da pele, muitos espectadores enxergarão politicamente em “Rogue One” o que quiserem enxergar – ou não enxergar, como no caso de Iger – , desde temas de diversidade cultural até nacionalismo e feminismo. Mas não é preciso cavar muito abaixo das areias de Tattooine para se observar a geopolítica original arraigada na franquia e ter certeza sobre qual era o solo ideológico original debaixo dos pés do criador George Lucas.

Todos os filmes da série Star Wars já foram analisados a fundo, procurando entender sua agenda política. E é assim que deve ser. Lucas, como o mecânico apaixonado que é, criou um motor narrativo customizado e altamente durável, capaz de lidar bem com essas inspeções.

Como Lucas bem sabia, nossos medos e esperanças e culpas, expostos nus e crus, repousam não nas nossas estrelas, mas em nossas guerras.

*Michael Cavna é escritor, artista e cartunista, criador da coluna “Comic Riffs” e resenhista de quadrinhos para a seção de livros do The Washington Post. Aprecia a sátira bem feita em quase todas as formas.

Tradução: Adriano Scandolara

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