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A música "Someday", dos Strokes (foto), é trilha da propaganda de uma companhia de telefones celulares, em exibição por aí. A faixa é o terceiro single do disco Is This It, de 2001. Diversas campanhas e propagandas da tevê brasileira já ecoaram músicas emblemáticas. Muitas delas pertencentes a outro tempo, diferente do de hoje, quando as faixas funcionam como música de fundo e, paralelamente, são mais insinuantes do que o próprio produto para o qual estão "trabalhando." Estas músicas estão lá pela mesma razão: atravessaram gerações e têm o poder de se conectar facilmente com seus ouvintes, principalmente com os de primeira viagem. É o consumidor, exposto devido à sua relação íntima com a música, para o que quer se vender: seja um carro ou um pote de margarina – lembram de "Oh Happy Day?" Não é novidade, mas a estratégia é um pouco assustadora.

Nos últimos cinquenta anos, uma nova visão de relacionamento entre marca e consumo mudou algumas coisas. O objetivo agora não é reverenciar o produto, mas seduzir o consumidor. Tem gente batuta pensando sobre essa relação silenciosa, que acaba por confundir ética e estética. Ou gosto pessoal com a fatura do cartão de crédito.

Um deles é Giles Lipovetski, que gosta de profanar o termo hipermodernidade. Para o filósofo, que como bom francês bufa muito quando fala, tudo é demasiado. Os excessos e as carências, a competição e a oferta. Então, o ataque a quem está do outro lado do mercado é naturalmente mais violento. Pega pelo estômago, como se diz. E agora também pelos ouvidos.

E aí surge um problemão. Apesar da massificação de tudo e em todos, queremos sim exclusividade: a sala vip da rodoviária, a primeira classe do avião, a cerveja de edição limitada, a chuteira do Neymar. Uma vida sem concorrentes, enfim. E talvez não haja nada de errado nisso, além de um gigantesco paradoxo. E, na cola dele, a depressão e outros distúrbios de ansiedade já identificados como as doenças deste século – ufa, não é a virose.

Na onda do croissant vem o pirogue. Como um trovador moderno, o polonês Zygmunt Bauman dedicou boa parte dos seus 88 anos de vida a tentar entender a evolução (ou não) do relacionamento humano – inclua aí a amizade, os amores e desamores. Ele usa o termo "líquido" para muita coisa, inclusive para o tempo e para as relações olho no olho.

Bauman cita namoricos."Não se pode permitir que coisas ou pessoas sejam impedimentos ou nos obriguem a diminuir o ritmo de vida. Compromissos de tempo indeterminado ameaçam frustrar e atrapalhar as mudanças que um futuro desconhecido e imprevisível pode exigir. A esperança, ainda que falsa, é que a quantidade poderia compensar a qualidade: se cada relacionamento é frágil, então vamos ter tantos relacionamentos quanto forem possíveis," disse ele, em entrevista ao site Macroscópio – dizem que o pessoal do amor livre foi à loucura.

O polaquinho mirrado também faz um prognóstico assustador, cuja denominação passa longe do politicamente correto: o crescimento, principalmente em países em desenvolvimento, do "lixo humano", pessoas descartáveis ou refugadas, que não foram aproveitadas (e principalmente reconhecidas) em uma sociedade cada vez mais seletiva. São pessoas "não gourmet", em um mundo potencialmente excludente, de margarina. "Oh Happy Day, Oh Happy Day".

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