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Lucca, neto que mora em São Paulo, passa semana aqui na chácara. Acorda sorrindo e passa o dia brincando. Nenhuma manha, choro zero, alegria sempre. Só tem medinho de escuro. Digo que a noite não tem nada que o dia não tem, ele diz que não é verdade:

– De noite tem escuro, vô. E mesmo de dia, lá no quarto tem um montão de escuro.

Pietro sempre pergunta o que estou fazendo. Estou lendo jornal na varanda, ele aparece montado na bicicletinha, fica me olhando. Pergunto:

– Não vai perguntar o que estou fazendo?

– Eu sei, vô, você tá lendo jornal.

E continua me olhando.

– Que é que você quer?

– Nada, vô, só ver você ler jornal.

– Acha bonito?

– Não sei, vô, nunca li jornal.

– É, você ainda está aprendendo a ler, né?

Ele balança a cabeça, homenzinho sério.

– E quando eu souber, vô, vou ler todas essas letrinhas aí!

– Que bom! Mas tem letrinhas que a gente não precisa ler, viu?

Ele fica me olhando duvidoso.

– Não precisa? Então porque elas estão aí?

Digo a Caetano que, se ele não comer cenoura, não vai enxergar bem no escuro. Ele pega rodela de cenoura no prato, mastiga pesaroso. Depois sai da mesa, perguntamos aonde vai, não responde, vai para o quarto. Volta logo, cara triunfante. Afasta as rodelas de cenoura para um canto do prato, resmungando:

– O escuro tava lá do mesmo jeito.

Os três brincam com as bicicletas numa gritaria danada. Do terraço, pergunto se querem iugurte. Num instante aparecem na cozinha, suados, ofegantes e felizes.

– Querem iugurte com que? Mamão, maçã ou banana?

Eles se olham e Caetano, o mais velho, fala pelos três:

– Só com mel, vô, sem fruta.

Digo que não, é preciso misturar fruta. Caetano aponta o chocolate em pó:

– Bota aquilo, vô, a mãe falou que chocolate é fruta!

Ficam os três me olhando vencedores.

Dalva diz pois é, cacau é fruta, não é?

Vocês venceram, digo misturando chocolate no iugurte. Pietro olha desconfiado:

– Isso é fruta, vô?

Caetano se apressa em explicar:

– É fruta em pó.

Lucca arremata:

– E mel é leite de abelha.

Concerto sinfônico. O músico da tuba só toca lá pela terceira ou quarta música, aí Caetano cochicha:

– Ele toca, vô!

– Claro, você pensou que ele estava ali pra que?

– Pra enfeitar. Lucca acompanha trilha de formiga.

– Formiga gosta de passear, hem, vô.

– Elas não estão passeando, Lucca, estão trabalhando.

Ele agacha, fica olhando.

– Mas tem umas que ficam conversando, né?

– Porque cachorro dorme tanto, vô?

– Sei lá, pergunta pra ele.

– Não posso, vô, ele tá dormindo.

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