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O belo parque arqueológico de Moray, no Peru | Reprodução
O belo parque arqueológico de Moray, no Peru| Foto: Reprodução

Conheço muito pouco do mundo. Gosto de viajar, mas não compactuo com essa obrigação contemporânea (mais uma), de sermos cosmopolitas. Perdi as contas de quanta vezes já ouvi a seguinte frase: "já esteve em Paris? Não? Tem que conhecer!" "Já esteve na Itália? Não? Ah, mas é obrigatório!"

Obrigatório para quem?

Quero muito conhecer os lugares que citei, e muitos outros. Mas, viajar, pelo menos para mim, não é algo tão simples assim. Primeiro, envolve dinheiro, por mais econômica que seja a viagem. E o suficiente nem sempre está disponível. Fora que, admito, não sou muito dada a aventuras. Já ouvi de muita gente que é possível chegar em determinados destinos de carro, de ônibus, de carona. Que se pode ficar em um lugar super barato na cidade x. Mas, sinceramente, prefiro não arriscar.

O pior é que estar em um avião também não é o melhor dos mundos para mim – receio que ficou maior depois desse tanto de acidente que anda acontecendo. Não me impede de fazer algo, mas dificilmente consigo relaxar no trajeto.

Me identifico muito com pessoas que têm medo. Um dia, João Bosco disse em um show que fez na Caixa Cultural aqui em Curitiba que tinha pavor quando precisava viajar à Europa. Parece que tem um ponto muito turbulento no caminho. Me sinto menos "caipira" quando escuto um músico da estirpe dele admitindo o receio.

Vai ver que é por isso que adiei por tantos anos fazer o passaporte. Tirei o documento para minhas últimas férias (quando fui ao Peru). Não é obrigatório ter passaporte para viajar ao país, mas é indicado. Preferi não arriscar, além de ter o simpático carimbo de Machu Picchu em uma das páginas. Agora, pronto. Posso encarar viagens que não incluam apenas a América do Sul pelos próximos cinco anos.

É óbvio e indiscutível que viajar traz bagagem cultural e novas percepções, e a sensação de estar em um lugar em que nunca se esteve antes é única. E sim, ainda quero viajar muito mais. Mas, cá entre nós: tem coisa mais chata do que gente que desmerece o próprio país depois de conhecer outros locais? Ou que não passa uma frase sem citar a última "aventura", ou "na Europa, não é assim!."

Talvez, (ou melhor, certamente), minhas origens expliquem essa relação ambígua de adoração e rejeição pelas viagens. Sou do interior do Paraná e, por anos, minhas viagens de férias eram restritas somente à casa das minhas avós, "para nós, o outro lado do mundo", como diz Rogério Pereira em um trecho de seu na escuridão, amanhã. Pisei em uma praia apenas com 15 anos de idade.

Na minha infância, ir de uma cidade a outra, por mais que fossem cento e poucos quilômetros, era um ritual e tanto. Meus pais punham um colchão no enorme bagageiro de uma Caravan cor creme, e lá íamos, eu e meu irmão mais velho, ansiosos. Hoje, com lei da cadeirinha e tudo o mais, a gente lembra e ri do quão absurdo isso seria hoje.

Depois que o meu irmão mais novo nasceu, e com um carro que tocava até CD, precisávamos ouvir o mesmo disco do Creedence por várias vezes. Ele adorava e cantava animadamente a canção "Molina" – e a gente não se cansava de assistir ao "show" dele. Hoje, por relapso, volto pouco na cidade de minhas avós.

Não creio que devemos ter preguiça de viajar, só não podemos nos sentir obrigados a fazê-lo – já precisamos encarar muita coisa que não queremos de forma recorrente. Sair de casa implica em "deixar o morninho", escreveu o português José Luís Peixoto no texto A Vontade e o Mundo. E esse é o passo mais difícil antes de fazer as malas.

Mesmo Peixoto, que parece um viajante incorrigível, diz que um dia cansará de conhecer o mundo. "Na Tailândia, nenhuma comida tem o sabor das sopas da minha mãe. Na Amazônia, nenhuma paisagem se parece com os campos à volta da terra onde nasci." Estou contigo, Peixoto.

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