| Foto: /Divulgação

Se como em antigos programas de auditório a intensidade dos aplausos fosse o critério de decisão, a reação do público teria eleito o longa “Para Minha Amada Morta”, do cineasta Aly Muritiba e da produtora curitibana Grafo – até o quinto dos sete dias de sessões -, como o grande vencedor da mostra competitiva do 48.º Festival de Brasília.

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O filme do diretor baiano radicado em Curitiba, no entanto, não se impõe como um dos favoritos ao tradicional prêmio Candago apenas pela capacidade em se comunicar com o público. O filme tem méritos estéticos, técnicos e de dramaturgia que o colocam no nível do melhor cinema sul-americano feito no século 21. E que mostram um amadurecimento notável do cinema de Muritiba e das produções da Grafo.

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“Para Minha Amada Morta” supera o principal defeito da produção mais recente do cinema brasileiro que é a pobreza ou o descaso com o roteiro; um“detalhe “ muitas vezes substituído por vaidade da direção, processos de preparação do elenco ou boas intenções. No caso do filme de Muritiba, ao contrário, o roteiro escrito pelo próprio cineasta é a grande força, ao contar em três atos uma história sobre luto, amor e vingança.

A trama é centrada em um jovem viúvo, Fernando (interpretado pelo ótimo Fernando Alves Pinto), que passa os dias entre trabalho e melancólicos rituais de luto e adoração da esposa falecida há pouco, o que inclui cuidar do filho pequeno e das roupas, sapatos e objetos da mulher ausente.

Uma ausência onipresente e opressora que consome as forças e qualquer outro sentimento deste homem até ele encontrar várias fitas com registros em VHS de momentos diferentes da vida de sua mulher. Em uma delas, descobre que a esposa se divertia pornograficamente com outro homem.

O processo de implosão emocional do protagonista é habilmente retrato tanto pelo roteiro, e pela direção de fotografia de Pablo Baião. Até este ponto, o filme é escuro e arrastado como um blues melancólico, em longos planos com a câmera fixa.

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A descoberta que mancha o passado até então insuspeito da esposa leva o protagonista a ficar obcecado na busca pelo homem que foi amante dela. O filme muda de ritmo, a câmera passa a acompanhar, ágil, esta busca pelo algoz daquele amor eterno.

O homem é Salvador (Lourinelson Vladimir, em grande atuação) , um rude trabalhado braçal e ex-presidiário convertido a uma religião evangélica, que comanda com austeridade uma família de mulheres na periferia de Curitiba.

O encontro (e confronto) entre os dois homens inaugura o terceiro ato do filme. Nando consegue entrar na vida desta família pela porta aberta da religião; ele se finge de evangélico para ganhar a confiança nos cultos e diz que está na cidade acompanhando a doença terminal da esposa. Acaba conseguindo alugar o puxado nos fundos do terreno da casa deles.

A partir daí, o filme vira um faroeste psicológico, uma briga entre os dois homens pelo amor da mulher morta e também pelo das outra mulheres da família de Salvador , a esposa Raquel (Mayana Neiva, talvez bonita demais para o papel) e a filha (Giuly Biancato, muito bem).

Muritba constrói uma atmosfera de tensão permanente em planos-sequência em que a violência está sempre prestes a explodir – e assim escorregar para o clichê –, o que é sempre habilmente bem evitado pelo roteiro.

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Em termos de elenco, além das grandes atuações dos protagonistas, há uma atuação muito corajosa de Michele Pucci como a “amada morta”. As cenas de sexo filmadas por ela mesma, em VHS desgastados, formam um clima fantasmagórico e erótico perturbador. “Para Minha Amada Morta” é um dos grandes filmes da década do cinema nacional e não será nenhuma surpresa se faturar a maior número de prêmios na próxima terça- feira (22).