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No Brasil, o corpo é mais importante do que a moda; os brasileiros buscam roupas que valorizam essas formas e não que sirvam para disfarçar seus defeitos | Divulgação
No Brasil, o corpo é mais importante do que a moda; os brasileiros buscam roupas que valorizam essas formas e não que sirvam para disfarçar seus defeitos| Foto: Divulgação

Acostumada ao púlpito das conferências, a antropóloga carioca Mirian Goldenberg quase teve de ir do consultório da dermatologista para o divã de um psicanalista. Aos 40 anos, estava em busca de um hidratante para o rosto. Saiu com um diagnóstico que lhe valeu quase um ano de crise existencial: a médica recomendou correção cirúrgica nas pálpebras, aplicação de botox e preenchimento de lábios.

O que fazer? Submeter-se ao obstinado bisturi para "ganhar dez anos" – como prometeu a médica? Ou aproveitar naturalmente as coisas boas que a idade pode trazer sem artifícios? "Resolvi sair da crise dos 40 brincando e trabalhando numa grande pesquisa sobre envelhecimento", conta Mirian, hoje aos 53 anos.

No livro Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade (Ed. Record), lançado em 2008, ela procura tirar o estigma do envelhecimento feminino e "combater os estereótipos e preconceitos que cercam a mulher que envelhece".

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mirian é referência nos estudos de gênero, corpo, sexualidade e novas conjugalidades na cultura brasileira. Autora de dezenas de livros, incluindo um sobre a atriz Leila Diniz, afirma que no Brasil o corpo é um capital social e econômico para homens e mulheres. E observa o grande investimento e energia que ambos dispendem na criação desse corpo idealizado.

"Criei esse conceito ao observar que, quando perguntava sobre outros assuntos, aparecia em primeiro lugar o corpo. O cuidado com a aparência é um investimento muito maior na nossa cultura do que em outras", diz. Para ela, aqui o corpo é mais importante do que a moda; os brasileiros buscam roupas que valorizam esse corpo e não que sirvam para disfarçar seus defeitos.

Essa valorização remontaria os tempos da colonização, quando os portugueses se encantaram com as indígenas nuas. Conforme Mirian, essa obsessão se agravou nos últimos 20 anos com o cinema de massa e a entrada em cena das top models e todos os padrões de beleza intrínsecos nessas imagens. "As meninas crescem com a cultura da tevê, da publicidade, das modelos. Cresci com a contracultura e a libertação. O que se perdeu é a ideia de que o belo é diverso e é algo que você tem e usufrui, mas você não constrói", diz.

A antropóloga se debruçou sobre a trajetória da atriz brasileira Leila Diniz, que, segundo ela, personifica as radicais transformações da condição feminina (e também masculina) que ocorreram no Brasil no final da década de 60. "O que a Leila simbolizava é que o corpo dela era resultado da sua vida e não de manipulação cirúrgica ou de intervenções externas. Isso se perdeu. As mulheres estão muito iguais. A ideia de identidade, de você construir a sua própria vida e pagar o preço não é valorizada."

De acordo com a antropóloga, os homens estão cada vez mais à mercê das cobranças em relação aos cuidados com a imagem, mas a mulher continua a ser a mais vigiada. "Homem pode repetir roupa, a mulher não pode, tem o salto alto, tem a moda..."

Embora o cenário seja desanimador para qualquer ser humano que coloque a questão da aparência em segundo plano, Mirian vê surgir um movimento no sentido contrário, pessoas que, como ela, recusam-se a desfigurar o rosto na busca pela beleza inatingível e preferem investir seu tempo no seu capital humano.

"Brinco que criei um grupo de mulheres que querem viver em paz em com sua idade e eu sou a única militante desse movimento. Estou usufruindo do que os meus 53 anos me dão: trabalho, amor, amigos, felicidade. Estou em uma fase melhor do que aos 40 anos, quando fiquei em crise." (DB)

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