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Nicole Kidman em dois tempos: no início da décade 90, quando o modelo de beleza era mais natural... | Divulgação
Nicole Kidman em dois tempos: no início da décade 90, quando o modelo de beleza era mais natural...| Foto: Divulgação

Atrás da mesa

Confira o que se diz sobre o poder da beleza:

No bolso

No livro The Beauty Bias (sem tradução), a advogada americana Deborah Rhode afirma que, em seu país, ser mais bonito (ou mais alto, no caso dos homens) pode significar ganhar US$ 16 mil a mais por ano – sem que isso tenha relação com os quesitos técnicos. Ela propõe a criação de uma lei que proteja as pessoas da discriminação no ambiente de trabalho por causa da aparência. Nossos entrevistados comentaram a relação entre beleza e boa aparência no trabalho:

Às avessas

Mirian Goldenberg, antropóloga: "No meio universitário não existe essa cobrança. Pelo contrário, se vou muito arrumada as pessoas estranham. A questão da imagem no trabalho depende da exposição que se tem. Existe uma adequação social e a roupa é um forma de comunicar. Em ambientes de competição, as pessoas cobram mais, têm de comunicar melhor."

Na real

Fabrício Vaz Nunes, crítico de arte: "Mais vale um feio estiloso do que um bonito mal arrumado".

Aparências

Ricardo Schrappe, publicitário: "A beleza é herdada. Como você se apresenta é o que vale na hora de procurar um emprego".

Conjunto

Leandra Kojinski Cortelleti, psicóloga da área de RH: "A beleza, em si, não é tão significativa, a boa aparência (conjunto de vestimenta, higiene, maquiagem nas mulheres), sim. Pesquisas mostram que profissionais com boa aparência têm maior ascenção nas empresas." (DB)

  • ...e nos dias atuais, adequada aos padrões estéticos vigentes

Entrevista com Sâmara Jorge, psicoterapeuta.

Não há nada de patológico em buscar recursos externos – mais ou menos invasivos – para se sentir mais belo e atraente. O problema está em supervalorizar a juventude e a beleza e não aceitar que envelhecer faz parte do curso natural da vida. A psicoterapeuta de orientação junguiana Sâmara Jorge, colunista da Revista Crescer, aponta na entrevista a seguir como a busca por padrões estéticos inatingíveis pode nos atrapalhar como indivíduos.

Você vê um exagero na importância que a beleza assumiu nos dias de hoje?

Sem dúvida. Basta olharmos para a incidência cada vez maior e mais precoce do número de casos de transtornos alimentares e depressões, sem falar nas cirurgias plásticas (o Brasil está entre os países que mais consome cirurgias plásticas) e procedimentos estéticos. Isso tudo tem como causa profundas dificuldades internas, mas também são, em grande parte, reforçadas por essa valorização excessiva da beleza.

Abrimos as revistas, ligamos a tevê, olhamos outdoors pelas ruas e lá estão expostos corpos esquálidos como ideal de perfeição. É tanta informação e novas propostas que, se não tivermos senso crítico, somos levadas a querer experimentar tudo ou, o que é pior, sentimos nossa autoestima despencar. São muitos os desdobramentos que essa questão provoca coletivamente. Valorizar apenas os atributos externos nos distancia de nossa condição humana. Não existe perfeição e, ainda que alguém seja considerado esteticamente perfeito, esse é apenas um aspecto da totalidade de um indivíduo.

Quando a busca pela beleza deixa de ser vaidade normal com a aparência e passa a ser um problema?

Não há nada de errado com a vaidade. Ser vaidoso é saudável, denota uma preocupação com o próprio bem-estar, uma disposição em cuidar de si mesmo e da saúde. E depois, quem não gosta de se sentir bonito, ou atraente? O problema está quando essa se torna a única ou a principal fonte de preocupação e interesse na vida de uma pessoa e, especialmente, quando ela passa a fazer qualquer coisa para que seja atingido um ideal de beleza. Tudo passa a ser menos importante e fica em segundo plano. Em casos mais graves, as pessoas acabam por perder a crítica e ficam tão artificiais que parecem "seres de plástico", desvitalizados, sem individualidade.

Perdem características próprias da idade, do momento de vida em que se encontram, e, por vezes, usam tantos artifícios que já não conseguem sequer expressar sentimentos através da linguagem corporal (faces, olhos, corpo etc).

É possível mudar o padrão de comportamento de alguém que é obcecado pela beleza?

Não só possível, como indicado. O excesso de preocupação com a beleza e a estética pode esconder profundas dificuldades de fazer confrontos com a realidade, ou com sentimentos de frustração, medo, angústias e inseguranças. Algumas pessoas acreditam que me­­lhorando a aparência resolverão a questão. Ocorre que esse tipo de atitude funciona como pa­­liativo, pois o problema é de outra ordem. Aí a pessoa entra em uma roda-viva, busca todo tipo de tratamento estético, ci­­rurgias plásticas, cortes de cabelo, dietas etc, e nunca ficam satisfeitas. Assim, se distancia cada vez mais de si mesma e acaba por se tornar pessoa esvaziada de conteúdo, o que reforça ainda mais a autodesvalorização e a crença de que a única coisa que lhe resta é cuidar da aparência externa. Uma boa autoestima vem de dentro, da construção de olhar acolhedor e verdadeiro para si mesmo. Através da ajuda profissional o indivíduo passa a se olhar e enxergar o que está além da aparência. Entra em contato com suas insatisfações, medos e inseguranças, mas também com suas qualidades e potenciais criativos.

A ditadura da beleza é mais rígida para as mulheres. Mas hoje também vemos uma exploração do corpo masculino. Como você vê isso?

Cada vez mais encontramos ho­­mens vaidosos. Há um lado po­­sitivo nisso, uma vez que a vaidade masculina foi vista de forma pejorativa através de lentes machistas e patriarcais. É bom que os homens tenham o direito de se cuidar, de se sentirem melhores e mais bonitos. Entretanto, a excessiva valorização da estética, dos atributos externos traz terríveis danos ao corpo e ao psiquismo. Um dado que reforça o que estou dizendo é o fato de que, até alguns anos atrás, a anorexia e a bulimia eram transtornos tipicamente encontrados em mulheres. Atualmente há uma incidência bastante importante de transtornos alimentares entre os homens.

Beleza em excesso atrapalha?

Pode ou não atrapalhar. Depende da relação que a pessoa tem com o fato de ser bela. Se a própria pessoa lidar naturalmente com a beleza e entender que esse é apenas mais um atributo de sua personalidade, pode minimizar os problemas. Entretanto, muitas vezes, mulheres lindas também sofrem preconceito. Já recebi em meu consultório algumas mulheres que se queixavam de não conseguir emprego por serem bonitas demais. Uma delas, inclusive, disse que ouviu de uma pessoa que fazia a seleção da empresa que acharia difícil sua aprovação, pois, em função de sua beleza distrairia os funcionários. Outra, não conseguia manter uma relação estável, pois os homens só se aproximavam dela por sua beleza e logo a descartavam.

Tanto as pessoas que atendem o padrão de beleza quanto as que estão fora do padrão po­­dem sofrer.

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