Uma das mesas mais esperadas na programação da 5.ª Festa Literária Internacional de Parati (Flip) fez jus à expectativa em torno de si. Na manhã desta sexta-feira (06/06), os biógrafos Ruy Castro, Fernando Morais e Paulo César de Araújo conversaram por vezes acaloradamente sobre o episódio recente envolvendo a retirada de circulação da biografia "Roberto Carlos em Detalhes".
O cantor entrou com um processo na justiça alegando invasão de privacidade porque não pode processar Araújo por calúnia. "Todas as informações incluídas em cada uma das 500 páginas do livro são embasadas em documentos. Não há nenhuma informação errada", disse o autor que passou 15 anos reunindo dados e fazendo mais de 200 entrevistas.
Depois da vitória do cantor na justiça, a editora Planeta fez um acordo assumindo o compromisso de retirar a obra de circulação e entregar o estoque de 11 mil exemplares que estava em seu poder. "Se o Roberto seqüestrou 15 mil exemplares (na verdade, o número é menor), poderia pegar um para ler", brincou Castro, debaixo dos aplausos do público, fazendo referência ao fato de o artista ter se orientado pelos trechos que pessoas próximas leram para ele.
Assim como Araújo, Morais e Castro também já sofreram processos legais. O primeiro foi alvo do político Ronaldo Caiado, citado em "Na Toca dos Leões", enquanto o segundo entrou numa disputa com a família de Garrincha, pela biografia do jogador de futebol, que durou 11 anos. Acaso ou não, Castro já foi processado também por Roberto Carlos em 1983, por conta de um perfil escrito para a revista "Status". O jornalista foi condenado, mas não terminou preso porque era réu primário.
"Antes, nós vivíamos a censura fardada, agora, estamos na era da censura togada", disparou Morais, em referência aos juízes que ignoram direitos como o de acesso à informação e o da livre expressão. E continuou: "Hoje faz 30 anos que acabou a censura da ditadura no Brasil, mas absurdos continuam acontecendo em cidades fora do eixo Rio São Paulo, onde juízes mandam fechar redações e tiram jornais de circulação".
Enfático, Morais ironizou os juízes "que um dia proíbem um livro e, no outro, vão para a cadeia por receber propinas". Tome aplausos da platéia.
Autor de outras duas biografias, dedicadas a Carmen Miranda e a Nelson Rodrigues, Castro criticou a postura da editora Planeta, facilmente acuada pelo juiz. "Você foi abandonado por sua editora", disse para Araújo e ambos concordaram que a empresa ser estrangeira (veio da Espanha) e o diretor idem (Cesar Gonzalez, da Argentina) deixou Roberto Carlos em vantagem desde o início. Com medo das barbaridades da justiça brasileira, aceitaram um acordo para evitar o risco de fechamento.
Araújo lembrou que a sessão em que saiu a sentença teve características surreais. Antes mesmo de começar os trabalhos, o juiz Técio Pires teria ameaçado fechar a editora, dizendo que a ordem de fechamento já estava até assinada, caso Gonzalez não se apresentasse.
O exemplo que Castro citou para lamentar a postura da Planeta foi o seu próprio, reconhecendo o esforço da Companhia das Letras, que o defendeu durante todo o tempo no caso que envolvia a família de Garrincha.
Araújo passou por três juízes: Maurício Chaves, Pedro Freire e Técio Pires. Este responsável pelo que o biógrafo chamou de "surreal" no dia em que viu seu livro ser massacrado.
"Ele é cantor e compositor, seu nome artístico é Té Lopes e, a certa altura, depois do fim da sessão, ele tirou CDs da mala e começou a distribuir para todo mundo, dizendo 'Roberto, eu quero que você conheça o meu trabalho'", lembrou Araújo, levando o público às gargalhadas. Depois, segundo Araújo, juiz e promotor tiraram fotos com o cantor e compositor.
"Só tem um jeito: mobilizar a sociedade e espernear, espernear. Vá para o tribunal de Haia se for preciso", clamou Morais, citando o órgão de justiça da Organização das Nações Unidas. A boa notícia é que Araújo contratou uma advogada, Débora Steinberg, e vai recorrer. Ele prometeu lutar até o fim da vida para ver a biografia de Roberto Carlos circulando outra vez. "É um caso de liberdade de expressão no Brasil, não é mais sobre o meu livro."
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