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O Corvo, montagem de 2003. “Ficou frágil”, diz diretor Edson Bueno | Divulgação
O Corvo, montagem de 2003. “Ficou frágil”, diz diretor Edson Bueno| Foto: Divulgação

Logo que terminou a faculdade de Artes Cênicas, o jovem diretor curitibano Paulo Biscaia pretendia montar um texto seu, escrito para dois casais de intérpretes. Os ensaios começariam no dia seguinte, se os atores não tivessem abandonado o barco, deixando aquele que futuramente fundaria a companhia Vigor Mortis apenas com as atrizes à sua disposição. "Para não cancelar, sentei e olhei para a minha prateleira de livros. Meu olho bateu no Edgar Allan Poe. Li em uma noite e peguei mais uns poemas dele. No ensaio, falei para as atrizes: ‘Vamos fazer isso aqui’".

O livro era Histórias Extraordinárias. Descansava esquecido na estante desde os 13 ou 14 anos do dono, que o escolheu pelo título instigante, entre uma lista de livros proposta no colégio onde estudava. Da segunda leitura, nasceu o espetáculo Cantos Fúnebres da Esperança, em 1991, em que as atrizes – Janine Rhinow (Gralha Azul de atriz revelação) e Inaê Giovanetti – passavam por contos curtos e poemas.

Outro punhado de poemas selecionados – e musicados por Demian Garcia – e Biscaia montou A Máscara da Morte Vermelha (1992), no Teatro da Fábrica, forjando conflitos entre nobres trancafiados em um castelo para fugir da peste.

Sangue para uma Sombra foi a seguinte, em 1993, e deu ao protagonista Ênio Carvalho o Gralha Azul de melhor ator. A Escuridão das Lembranças (1994) encerrou a tetralogia baseada na obra de Poe. Desta vez, em contato direto com os versos de Lord Byron, para, juntos, contarem as histórias das esposas do Barba Azul: as atrizes Janine Rhinow, Janja, Pagu Leal e Vanessa Lepkan.

"Valêncio Xavier dizia que eu era o cafetão do Edgar Allan Poe", recorda Biscaia, rindo. "Se eu pudesse, ficaria fazendo coisas do Poe direto. Quanto mais estudo um texto, menos vou gostando do autor. Mais raso parece. Com o Poe é exatamente o contrário, mais camadas vou desvendando e parece que nunca vão terminar".

No ano que vem, o diretor, que carrega uma tatuagem inspirada por O Corvo no braço, como prova da admiração pelo poeta americano, enfim retornará à lida de "cafetão", à frente do projeto de curtas-metragens Never More – Três Pesadelos e Um Delírio de Edgar Allan Poe, com traduções suas.

As figuras femininas estarão em foco. Personagens como Berenice, protagonista do conto homônimo. "É de uma crueldade com o ser humano", exclama Biscaia, manifestando sua predileção pela história de um sujeito obcecado pelos dentes da prima, que não se sabe cataléptica – "Você vê que eu não parei de usar o Poe", comenta, em um à parte, o autor de Morgue Story, peça em cuja trama a doença que ilude a morte é elemento essencial. Enterrada viva Berenice, o apaixonado arromba sua tumba e arranca-lhe os dentes, para que fiquem de recordação.

Distanciamento

Adaptar Poe exige, antes de tudo, que se esqueça da literatura – diz Biscaia. Para, então, se concentrar na discussão que o escritor propõe. "Ele não apenas se atém a uma estética elaborada, mas também discute facetas do ser humano que são muito pertinentes. E as imagens, obviamente, são muito fortes".

Biscaia não esquece uma frase do escritor, com a qual se deparou durante seus estudos. "Ele dizia que não seria capaz de criar um espetáculo de teatro, porque o espetáculo ideal seria tão horrível que, logo que as cortinas se abrissem, o público desmaiaria".

Embora tenha tentado – duas vezes –, o diretor Edson Bueno não se satisfez ao criar montagens teatrais com a obra de Poe. Não por falta de desmaios. "Nas duas vezes que montei, devo reconhecer que foram duas tentativas, em grade parte, frustradas. Não consegui pôr no palco o que eu consigo enxergar nem no Corvo, nem nos melhores contos, como O Gato Preto", o favorito do fundador do grupo Delírio.

A primeira experiência, a peça O Corvo, estreou em 2003, com atores como Luiz Carlos Pazello, Pagu Leal e Odelair Rodrigues. "Ficou frágil", sentencia o diretor.

A segunda foi Projeto Poe: O Corvo, de 2005, com Marcel Gritten, Diego Marcchioro e Tiago Luz, entre outros. "Ficou incompreensível", diz Edson, humilde, e disposto a continuar tentando. "Tenho vontade de descobrir, de decifrar."

Quando vier, talvez em 2010, coincidindo com o de Biscaia, o novo trabalho de Edson Bueno a partir da obra de Poe deverá abordar a biografia do poeta, sem se restringir a ela. "Faço Poe da mesma maneira que Hitchcok. São artistas de obsessão, como também o Nelson Rodrigues: meio trágicos, inexplicáveis. Você não sabe muito bem de que lugar de dentro deles tiram aquela busca de entendimento do ser humano pela morbidez."

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