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São Paulo – Um jovem aristocrata que adere ao Partido Comunista sugere má consciência ou um "intelectual orgânico" (Gramsci).

Um bilionário que amadurece na militância e morre na clandestinidade, porém, se transforma em lenda. "Só acredito em histórias cujas testemunhas se fariam degolar", escreveu Pascal. Giangiacomo Feltrinelli deixou-se morrer no dia 14 de março de 1972, aos 45 anos, quando colocava explosivos numa torre de alta tensão em localidade próxima a Milão. É o fim da trajetória de uma das personagens mais ricas da história italiana, cuja biografia acaba de ser lançada no Brasil. Feltrinelli: Editor, Aristocrata e Subversivo (Conrad, R$ 53; 392 págs.) foi escrito pelo filho do homem que criou a editora que leva seu nome de família.

Na Itália, Feltrinelli é figura conhecida. Para o leitor brasileiro, preserva o sabor de uma vida mais romanesca do que os livros que publicou. Seu anti-sectarismo como editor se tornou célebre quando a Feltrinelli lançou dois clássicos contemporâneos: O Gattopardo, de Tomasi de Lampedusa, e Doutor Jivago, de Boris Pasternak.

O romance de Lampedusa havia sido recusado pelas editoras Mondadori e Einaudi, recebendo parecer negativo de Elio Vittorini -neo-realista que viu nessa obra-prima sobre o ocaso da nobreza siciliana a nostalgia de um mundo estático.

E Doutor Jivago, libelo contra o totalitarismo soviético, foi publicado contrariando os paranóicos esforços de membros do Partido Comunista Italiano e dos comissários que mantinham Pasternak no ostracismo. Detalhe essencial: Feltrinelli era membro do PCI e financiava com a fortuna familiar os grupos de esquerda de seu país – tendo criado uma biblioteca pública que preserva preciosos documentos sobre a história do movimento operário.

O lançamento mundial de Doutor Jivago tem lances rocambolescos. Feltrinelli mantinha com Pasternak uma correspondência oficial (na qual o escritor se dizia arrependido de ter lhe enviado os originais) e uma troca de cartas paralela (em que manifestava suas verdadeiras intenções).

A publicação do livro leva à ruptura com o PCI em 1957 e assinala a radicalização de seu engajamento. Em 1967, ele está na Bolívia, às vésperas do assassinato de Che Guevara. Nesse meio tempo, viaja a Cuba, onde colhe depoimentos de Fidel para a publicação de suas memórias -sendo classificado pela CIA como "principal agente castrista na Europa".

"Feltrinelli é o todo-poderoso de uma república particular, representada por ele mesmo, por seus livros, por seus autores, por suas idéias, por seu dinheiro", escreve o filho Carlo, que não hesita em dar voz aos detratores do pai e não poupa críticas a sua delirante adesão a grupos terroristas dos anos 70 (como as Brigadas Vermelhas). O resultado é o retrato intelectual de um continente em convulsão, bem distante da burocrática União Européia.

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