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Funcionários do grupo Clarín protestam contra uma inspeção do prédio da companhia pelo governo argentino, em dezembro do ano passado | Juan Vargas/AFP
Funcionários do grupo Clarín protestam contra uma inspeção do prédio da companhia pelo governo argentino, em dezembro do ano passado| Foto: Juan Vargas/AFP

Para a professora argentina de estudos latino-americanos nos Estados Unidos Natalia Jacovkis, é muito triste observar de longe o aprofundamento do embate entre o governo de seu país e a imprensa, enquanto questões econômicas importantes são deixadas de lado. Para ela, na questão do intervencionismo estatal sobre a livre circulação de informações, a manipulação dos índices de inflação preocupa ainda mais do que a recente abocanhada que o governo deu na fábrica de papel-jornal que abastece os principais diários. A professora conversou por telefone com o G Ideias:

Como a senhora interpreta as acusações de perseguição de ambos os lados, do governo e da mídia argentinos?

A Lei Audiovisual, por um lado, foi aprovada para prejudicar o Clarín, sem dúvida. Por outro, não quer dizer que a lei em si seja má. Ela foi pensada durante muitos anos por especialistas em Comunicação, não se escreveu de um dia para o outro. O Clarín passou de apoiar fortemente o governo a estar completamente contra. Por quê, não sei. Isso criou uma lógica e dinâmica que prejudica a imagem da Argentina no exterior, a liberdade de imprensa, e dá uma idéia de um governo autoritário.

O embate entre governo e imprensa na Argentina representa uma ameaça à liberdade de imprensa?

Não creio, mas há uma diferença entre o conteúdo e a forma como se faz as coisas. A Papel Prensa [fábrica de papel jornal da qual o governo assumiu o controle acionário por lei] tem uma longa história que começa na ditadura, quando, ainda que alguém conteste, foi expropriada e entregue aos dois diários principais do país, Clarín e La Nación. O problema é que o governo agora age com a lógica do amigo/inimigo, de forma autoritária. Sinceramente, a questão de Papel Prensa, de todas as confrontações com jornais, é a que menos me incomoda.

E o que mais lhe incomoda?

A maneira como o governo destruiu o Indec – o instituto de estatísticas, que media a inflação de maneira independente. Quando o índice se tornou mais alto do que queriam divulgar, intervieram no instituto e agora ninguém acredita no número divulgado. Existe essa desconfiança nos índices econômicos, de que as coisas não estão bem como dizem – mas o governo não fala em como solucionar isso, e falsifica a realidade.

E a população em geral, o que pensa?

Me parece que o que ocorre na Argentina é uma polarização muito grande: ou você ama o governo ou está completamente contra. Não é possível dizer "na minha opinião há coisas boas que o governo fez, mas critico essas outras..." Isso se reflete nas eleições [presidenciais, ocorridas em outubro passado]: Cristina ganhou em primeiro turno com 53% dos votos. Com isso se pode dizer que a metade da população a apoia fortemente. O que acontece é o mesmo que em outros países que sofreram grandes crises econômicas, como as nossas em 2001 e 2009: para a maior parte da população, o que interessa é o seu nível de vida, são questões econômicas. Alguns dizem que o país está mais justo agora, que a pobreza foi reduzida, que houve divisão de renda. E há quem diga que não, que na verdade os índices não são melhores.

O apoio a Cristina tem relação com o personalismo, caro à política do país?

Tem a ver com a história e com o peronismo, pelo qual, se um político não mostra sua autoridade, está numa posição muito frágil. Tem a ver também com a forma como o governo de Néstor Kirchner foi atacado por corporações. No dia seguinte em que assumiu, em 2003, o editor-chefe do La Nación publicou uma demanda do que o governo Kirchner teria de fazer para receber apoio. Para muita gente, era como uma ameaça encoberta.

Qual seu posicionamento em relação ao governo?

Creio que o governo fez coisas muito boas, ao mesmo tempo em que se nega a aceitar problemas que existem. Em vez de tentar resolvê-los de alguma maneira, tenta encobri-los. Isso nunca funciona, e é o que mais me preocupa. O que vai acontecer com a inflação? E se tivermos menos exportações? O modelo argentino funciona se a economia não estiver tão diversificada? Pessoalmente, valorizo formas institucionais, então não gosto da forma de atuar do governo. Às vezes entendo a lógica por trás das atitudes autoritárias – não gosto da palavra autoritarismo porque o governo foi eleito democraticamente. Ele tem atitudes autoritárias, mas a Argentina é uma democracia.

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