Estrutura de carro alegórico da Unidos da Tijuca quebrou e deixou 17 feridos.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Um acidente com um dos carros alegóricos da Unidos da Tijuca marcou a segunda noite dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro na madrugada desta terça (28). Parte da estrutura superior do segundo carro alegórico da escola despencou pouco antes de entrar na Sapucaí, deixando 17 pessoas feridas, duas em estado grave, com traumatismo craniano e abdominal. O acidente comprometeu o desfile da agremiação, que teve como enredo uma homenagem à música americana. Na primeira noite de desfiles, outro acidente, envolvendo um carro alegórico da escola Paraíso do Tuiuti, também deixou pessoas feridas, três em estado grave.

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O acidente com a alegoria tijucana contagiou o clima de festa típico do carnaval carioca. Tanto que as escolas que se apresentaram depois do desfile da Tijuca, Portela e Mangueira, precisaram se esmerar para reanimar o público das arquibancadas do sambódromo que, antes, acompanhou apreensivo os problemas que a Unidos da Tijuca teve em decorrência do acidente.

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Evidentemente, a preocupação com o estado de saúde dos componentes feridos ofuscou o brilho do carnaval do Rio de Janeiro como um todo. As intempéries, de todo modo, não alteram a constatação de que, em 2017, as escolas de samba demonstraram um total descolamento do seu carnaval com a realidade do país. Nos desfiles da madrugada desta terça (28), por exemplo, houve enredos sobre “o senhor do tempo” e sobre as “mil e uma noites”. Na noite anterior, falou-se sobre a “divina comédia” e sobre o tropicalismo.

Enredos complexos se afastam do público

Não que o samba seja o gênero musical mais associado à crítica social, mas os desfiles das escolas de samba foram marcados, desde sua origem, pela predominância do trabalho dos sambistas. Trabalho esse que era diretamente influenciado pelo ambiente das comunidades e bairros que formavam a escola. Com o tempo, ganhou importância nos desfiles a figura do carnavalesco, responsável pela forma como a escola contaria uma história, ou o seu enredo.

À medida que o carnaval cresceu e ampliou o seu público, os enredos tornaram-se mais complexos. Para o carnaval de 2017, por exemplo, o enredo da União da Ilha se chamou “Nzara Ndembu! Glória ao Senhor Tempo”, que abordou a história da cultura do candomblé banto, de Angola. A Mocidade Independente de Padre Miguel, por sua vez, cantou “As mil e uma noites de uma Mocidade pra lá de Marrakesh”, buscando encontrar as semelhanças culturais entre o Brasil e o Marrocos. Ideia original? Talvez sim. Mas também fruto de um patrocínio de empresas marroquinas.

Carnaval de rua tem aumentado sua importância

O carnaval profissionalizado da avenida contrasta com o carnaval de rua, que tem aumentado de importância e tamanho dos blocos nos últimos anos. Somente no Rio de Janeiro, no sábado (25), mais de 1,6 milhão de pessoas compareceram aos blocos e bailes de rua. Beth Carvalho, a “madrinha do samba”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo que o carnaval das escolas de samba “ficou um carnaval para a elite da elite. O povo está brincando na rua”.

De fato, enquanto a São Clemente, no Rio de Janeiro, contava em seu desfile um episódio da vida do rei Luís XIV que culminou com a construção do palácio de Versalhes, na França, o tradicional carnaval de Olinda, em Pernambuco, tinha bonecos gigantes de Donald Trump e Sérgio Moro. O comércio popular do Rio de Janeiro vende fantasias de Sérgio Moro e do “uniforme” do presídio Bangu 8 com nomes do ex-governador Sérgio Cabral e do empresário Eike Batista. Queira ou não queira, até a discussão sobre o veto a marchinhas de carnaval é um debate mais caro ao brasileiro do que a construção de Versalhes.

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O descolamento do carnaval da Marquês de Sapucaí da realidade do brasileiro pode ser explicado pela internacionalização das escolas de samba. Durante a transmissão dos desfiles do Rio de Janeiro na TV Globo, o carnavalesco Milton Cunha explicou sobre o custo médio da fantasia de um destaque de carro alegórico: “cada fantasia dessas custa em média R$ 50 mil”, disse Cunha. Valor esse que é bancado pelo próprio componente interessado em desfilar no alto de uma alegoria. E o que ele faz com o patrimônio depois de encerrado o desfile? Leva para carnavais de outros países, como Japão e Canadá, onde fantasias e adereços brasileiros são altamente valorizados.

Mais do que nunca, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro está se tornando um carnaval para inglês ver.