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Manifestante passa por veículo destruído em uma das ruas que levam à embaixada dos EUA no Cairo, Egito | Reuters/Amr Abdallah Dalsh
Manifestante passa por veículo destruído em uma das ruas que levam à embaixada dos EUA no Cairo, Egito| Foto: Reuters/Amr Abdallah Dalsh

O repúdio da crítica já foi mais notório, mas a sentença ainda é válida: desde o levante punk, não há nada mais uncool no mundo da música do que o rock progressivo. Há quem diga que, por trás dos malabarismos sonoros, resta pouca criatividade no gênero; outros se restringem a dizer que progressivo é chato pra caramba mesmo. Com este grupo – gosto é gosto –, não há muito como debater; quanto à primeira "acusação", no entanto, o show de Jon Anderson em Curitiba, na última sexta-feira (14), foi excelente para um tira-teima.

Lá estava o homem consagrado como cantor do Yes defendendo muitos dos temas do grupo, mas em posição atípica, sem seus companheiros instrumentistas virtuosos. Acompanhando sua voz, apenas um instrumento a seu próprio cargo: ora violão, ora teclado, ora ukulele.

Essa execução intimista soa tão mais inusitada quando se lembra que o Yes é o grupo de rock progressivo arquetípico, com todo a pompa e grandiloquência características do gênero. Sim, o Pink Floyd é o nome mais conhecido relacionado ao rótulo, mas tem origens distintas, carrega diversas outras influências e por vezes se distancia completamente do progressivo strictu sensu. Está para o gênero assim como a cocada está para os doces brasileiros – o Yes é uma compota de jabuticaba. Sobreviveria a música do grupo à falta de firulas?

Em alguns dos temas, a simplificação harmônica e a supressão dos contrapontos se fizeram notar: como violonista, Anderson não ficaria no Top 3 de uma rodinha do luau de Ciências Sociais. A "Close to the Edge" apresentada pelo cantor, por exemplo, foi uma sombra da versão original de 1972 – para muitos, o ponto máximo do rock progressivo.

Mas houve momentos em que o minimalismo instrumental serviu como prova de que a música do Yes não se restringe a tecnicidades de solos velozes, compassos compostos, quebras de andamento e mudanças de tom: também há simples e belas melodias. "Wonderous Stories" não precisa das toneladas de teclados de Rick Wakeman para ser uma grande canção; "Soon" dispensa os efeitos de guitarra de Steve Howe para soar grandiosa.

Além da música do Yes, houve canções da carreira solo de Anderson e de sua parceria com o tecladista Vangelis, quase todas desconhecidas da plateia. O cantor usou sua presença para reverter um possível mal estar, puxando corinhos, contando piadas e fazendo troça de suas próprias limitações como instrumentista. Senso de humor surpreendente para um representante do rock progressivo, gênero com fama de se levar a sério demais.

A disposição do cantor impressiona: nem a pau revela seus 68 anos, mostrando-se mais jovial do que a média da plateia envelhecida. E é admirável um vocalista, nessa idade, alcançando e sustentando as mesmas notas da juventude. Dá para entender: ao contrário de Robert Plant, Ian Gillan e Milton Nascimento – que suas vozes estejam descansando em paz –, Anderson nunca precisou se esforçar para atingir os agudos, tendo uma voz rara e naturalmente alta. Só não dá para falar em interpretação perfeita porque o cantor estava ligeiramente gripado, com direito a desinibidos gargarejos e assoadas de nariz em pleno palco.

A desconstrução musical no show solo de Anderson expôs bem os papéis no Yes: um músico intuitivo ao lado de quatro classicamente treinados. As duas partes soam melhor juntas, é verdade, mas o vocalista, sozinho, foi bem mais do que digno. Claro, excessos existem mesmo – as letras hippie-cósmicas beiram o risível. Mas um camarada tão importante em sua área, com o nível de performance que ainda é capaz de exibir, certamente mereceria a extinção de alguns preconceitos antigos contra o rock progresivo. E poderia apresentar-se para mais do que um nicho de tiozões que não preenchem metade do Teatro Positivo.

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