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Os atores e dançarinos Ginger Rogers e Fred Astaire, em cena do musical Picolino: referência | Divulgação
Os atores e dançarinos Ginger Rogers e Fred Astaire, em cena do musical Picolino: referência| Foto: Divulgação

Mais para o fim de Manhattan (1979) (leia texto na página 5), o intelectual Isaac, personagem de Woody Allen, usa um gravador de fita cassete, conectado a um microfone com fio, para registrar ideias de histórias possíveis que pensa em escrever.

No meio da digressão, ele diz para si mesmo que não pode fugir de uma pergunta: A vida vale a pena?

Isaac para, hesita e suspira. Então começa a listar coisas que tornam a vida mais vivível. "Groucho Marx", diz ele, citando o humorista de óculos, charuto e bigode falso, famoso por trabalhar com os irmãos Chico, Harpo e Zeppo em comédias dos anos 1930. O jogador de beisebol Willie Mays vem em segundo lugar. Depois desses dois, ele entra nas músicas.

Para Isaac (e também para Woody Allen, como não?), a vida vale a pena porque existe "Júpiter", a sinfonia de Mozart. E porque Louis Armstrong gravou "Potatohead Blues".

Assumindo a voz do cineasta e não do personagem, a existência é mais leve quando se sabe que George Gershwin escreveu "Rhapsody in Blue" e o maestro Zubin Mehta regeu a orquestra filarmônica nova-iorquina numa interpretação da composição para Allen colocar em Manhattan, na abertura linda do filme. Na narração em off, Isaac diz: "Nova York, a cidade que pulsava ao som das canções de George Gershwin".

A lista de motivos para seguir vivendo, feita por Isaac, é uma maneira de ilustrar a relação de Woody Allen com a música. Em entrevistas, o cineasta disse mais de uma vez que passou a fazer filmes porque não tinha altura (1,65 m) para jogar basquete e era um músico medíocre, embora praticasse com seriedade o clarinete desde pequeno.

Adulto, já famoso com o cinema, se juntou ao banjonista Eddy Davis, cabeça da New Orleans Jazz Band, e viajou parte do mundo em uma turnê que aparece no documentário Wild Man Blues (1997). Eles todos chegaram a gravar um disco independente, vendido no fim das apresentações acotoveladas do Hotel Carlyle, em Nova York. Uma nova temporada começa no dia 12 de setembro e vai até 19 de dezembro, a US$ 125 por pessoa.

Um dos heróis de Allen é o clarinetista Sidney Bechet (1897-1959). O diretor chegou a batizar uma filha em tributo ao músico: Bechet Dumaine, nascida em 1989.

A paixão de Allen não é só pela música, mas por determinados gênios musicais. Veja como ele coloca Cole Porter tocando a marota "Let’s Do It (Let’s Fall in Love)" ao piano em uma casa noturna da França dos anos 1920, na comédia Meia-noite em Paris.

Ou como retrata um violonista encrenqueiro em Poucas e Boas (1999), um tributo ao cigano belga Django Reinhardt (1910-1953), que aparece a certa altura da história para o protagonista de Sean Penn, que é um tanto obcecado pelo músico francófono.

Ou como Cecilia (Mia Farrow) chora emocionada na plateia do cinema assistindo ao Fred Astaire cantando "Isn’t This a Lovely Day (To Be Caught in a Rain)" para Ginger Rogers em Picolino (1935), numa cena de A Rosa Púrpura do Cairo (1985).

A lista poderia continuar a fim de mostrar como o papel da música nos filmes e na vida de Allen é central. Tanto que basta ouvir alguns acordes nos créditos iniciais para saber que o filme é "escrito e dirigido por Woody Allen" (a fonte Windsor, usada por ele há mais de três décadas, também ajuda).

Gershwin, Porter, Bechet, Reinhardt, Armstrong e Astaire fazem parte de um mundo de referências grande e, em certa medida, eclético. O homem é uma mixórdia capaz de cultuar tanto o time de basquete do New York Knicks quanto os dramas do sueco Ingmar Bergman.

Você pode se interessar por Woody Allen e não sacar nada dos Knicks nem do Bergman, mas é impossível se aproximar dos filmes do franzino cineasta nova-iorquino e ignorar a música que os acompanha.

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