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Publicada no ano passado, sua tese de doutorado, A Reinvenção do Escritor (Ed. UFMG), se propõe a analisar a relevância da literatura nos debates contemporâneos, frente à avalanche do que você intitula genericamente de mass media: o excesso de informações. E o livro é tão questionador acerca do tema que, no desenrolar dos argumentos, acaba se fazendo também muitas perguntas. Correndo o risco de transformar esta entrevista numa "autoentrevista", proponho algumas das suas próprias perguntas ao longo da tese. Para começar, da página 15 direto ao ponto central da discussão: "De onde fala o escritor contemporâneo? Para quem? Como? Por que ainda tenta falar?"

O escritor contemporâneo brasileiro fala de um lugar desprestigiado, com valor cultural reduzido. Fala para uma pequena tribo de leitores. Em outros espaços literários, nos Estados Unidos e na maior parte da Europa, por exemplo, a conversa se estabelece com uma plateia mais atenta ao que ele tem a dizer. Basta pensar no modo como circulam os livros concorrentes ao prestigiadíssimo Booker Prize. Em termos latino-americanos, o papo ocorre muitas vezes e apenas fora do livro, dentro dos meios de comunicação de massa. Lamentavelmente, não se vai à obra. Tanto no texto literário como na entrevista jornalística, o escritor pode teoricamente falar com absoluta liberdade porque não deve satisfações a ninguém. Não pode causar mal nenhum, a não ser a ele mesmo. Como notou Ricardo Piglia, o perdedor se converte em vencedor. O problema é a vontade de sempre querer aparecer bem na foto, o que diminui a intensidade repercutida do que é dito. A voz soa débil.

Mais perguntas suas: "Haveria lugar para a literatura na sociedade dos meios de comunicação de massa, no tempo e no espaço dos mass media? [...] Como faz a literatura para não entrar no circuito do excessivo, um mal próprio à nossa sociedade?"

No contexto atual, a literatura parece conformar uma geografia de concentração, de silêncio, de abstração. A literatura interessante dialoga com os mass media provocando alguma dissensão. Do contrário, se ela repetir as mesmas estratégias narrativas que circulam na abundância (e em abundância), perde o sentido. Ou seja, abandona a oportunidade de propor novos sentidos. E a literatura poderia muito bem metaforizar o lixo informativo, não virar parte indissociável dele. Cabe a ela, e somente a ela, decidir onde deseja ficar, onde pretende instalar os seus desejos.

"Lidar com o efêmero é um dos grandes desafios da atividade literária/intelectual hoje. Em que medida ela pode deixar de ser solitária, individual?"

Na proporção em que não nega a existência e a superioridade sedutora dos mass media, vetores de condução da sociedade da informação. Na medida em que deixa de lado a vontade de ser reduto exclusivo do literário. No momento em que encara de frente a necessidade de lidar com o efêmero, tendo em vista sua vontade de permanência. No instante em que para de enquadrar a mídia na chave exclusiva do negativo. No ponto em que aceita a derrota e se dispõe a colocar o inimigo em xeque.

Uma última "autoquestão": "Assim como a literatura, os mass media mentem?"

O tempo todo. E grande parte do seu poder de sedução vem daí. Se trabalhassem apenas na chave da verdade seriam de uma chatice estupenda. Criam ficções que fazem certa literatura parecer brincadeira de criança. Os meios também inventam um pacto de leitura e assistência, nem sempre racionalizado, mas com uma verossimilhança bastante peculiar. Os dilemas éticos, por exemplo, foram abandonados pelo Brasil dos últimos anos, tomado por uma assustadora tendência ao pensamento único. Nossos disfarces de veracidade são muito técnicos e pouco civilizados. Há uma elegância da ética a ser reconquistada. Uma parte de nossa ficção em prosa e poesia se dispõe a essa busca.

Você me disse que está lendo Liberdade, de Jonathan Franzen – um livro que parece, mesmo nos tempos atuais, ter entrado no debate público americano, até por seus temas. É um alento à suposta irrelevância da literatura, e particularmente do romance, hoje?

Essa participação da literatura nos debates traçados na esfera pública não é novidade nos Estados Unidos. Outros livros de outros autores fizeram isso antes. Franzen teve um destaque midiático acima da média, é verdade. Ganhou publicidade gratuita de Barack Obama e foi capa da Time, o que não é pouca coisa. O sistema literário funciona de maneira diferente no Brasil e nos outros países latino-americanos. Mesmo na Argentina, nação aparentemente mais literária do que a nossa, a literatura está fechada num circuito pequeno, em que os interessados são bastante qualificados mas também facilmente quantificáveis. O romance continua irrelevante por aqui. Basta pensar que O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, tomou conta dos espaços jornalísticos e ganhou todos os prêmios literários brasileiros possíveis sem, contudo, aparecer em listas de mais vendidos. Foi consumido em larga escala pelo seleto e reduzido público de leitores de ficção em prosa. E isso porque tem muito de autobiografia e, supostamente, de não ficção.

Que autor contemporâneo – digamos, nos últimos 30 anos – poderia ser Franzen no Brasil? Por que nossa dificuldade em produzir romances desse tipo?

Não saberia responder com precisão. Entretanto, falta-nos mesmo essa entrada na vida do aqui e agora. A literatura tem deixado essa função para o jornalismo e o cinema. Precisamos ser inventivos a qualquer custo ou todos, como bem disse José Paulo Paes, querem ser Machado de Assis. Mas a potência para uma abordagem similar a Franzen ou ao que faz o melhor do romance inglês (Ian McEwan, por exemplo) está aí. Basta ler Silviano Santiago, Cristovão Tezza, Milton Hatoum ou Rodrigo Lacerda.

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