Clarice: “Clarice parece inalcançável. Gostamos tanto de olhar suas fotos porque elas nos fazem nos sentir mais próximos dela”| Foto: Divulgação

Como a vírgula do título indica, “Clarice,” é uma obra em perpétua construção. Embora tenha finalizado a biografia da autora de “A hora da estrela” em 2009, Benjamin Moser nunca abandonou a procura por novos rastros deixados pela sua biografada. Para a nova edição da obra, cujos direitos foram adquiridos pela Companhia das Letras após o fim da Cosac Naify, no final de 2015, o biógrafo americano incluiu algumas novidades: imagens raras e inéditas, como a foto da família da escritora ainda na Ucrânia, antes da vinda para o Brasil, e manuscritos comprados recentemente pelo próprio biógrafo, como um fragmento da obra póstuma “Um sopro de vida” e uma carta escrita em 1977, que Moser acredita ser a última da autora.

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A capa da nova edição, que chega às livrarias na próxima quarta, também mudou. Sai a imagem icônica da Clarice com a máquina de escrever no sofá (registrada por Claudia Andujar em 1961), entra um outro clique raro, da época em que a escritora vivia em Washington, no início dos anos 1950. “Clarice,” inaugura uma série de relançamentos do antigo catálogo da Cosac Naify pela Companhia.

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“Quando se trata de uma pessoa muito conhecida, como a Clarice, é sempre difícil encontrar coisas novas”, diz Moser, em entrevista por telefone, de Amsterdã. - Mas achava importante publicar essas cartas e manuscritos nesta nova edição para mostrar que nem tudo foi visto, ainda há muita coisa por aí. Estava trabalhando havia vários meses na nova edição, agora só quero ver o livro renascer.

Marca de batom

Entre os manuscritos, destaque para um fragmento deixado com uma marca de batom da própria escritora à amiga Olga Borelli. Mais tarde o texto seria publicado no livro póstumo “Um sopro de vida”. Em outro fragmento, a autora faz anotações para uma cena de “A hora da estrela”, que acabou ficando de fora do livro. Há, ainda, uma deliciosa lista de desejos, com itens como: “só atravessar a ponte quando chegar a hora”; “aprofundar as frases, renová-las”; “não deixar personne me donnez (sic) des ordres”; “em todas as frases um climáx”.

Na carta de 1977, Clarice responde a um convite de viagem a São Luís, no Maranhão (“terra do grande Ferreira Gullar”). Menciona seus problemas de saúde, mas afirma “estar quase boa”. Poucos dias mais tarde, seria internada e morreria em dezembro do mesmo ano.

Para “os seguidores da seita Clarice”, como define Moser, poucas coisas são mais estimulantes do que a descoberta de novas fotos da escritora. A sua beleza misteriosa está cravada no imaginário de seus leitores e admiradores a tal ponto que hoje é difícil dissociar a sua obra de sua imagem. Em depoimento a Moser, Ferreira Gullar descreveu seu espanto ao vê-la pela primeira vez: “Seus olhos amendoados e verdes, as maçãs do rosto salientes, ela parecia uma loba - uma loba fascinante”.

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“Clarice parece inalcançável. Gostamos tanto de olhar suas fotos porque elas nos fazem nos sentir mais próximos dela”, justifica Moser. “Nas imagens, ela parece sempre ter um poder sobre nossa imaginação.”

As fotos inéditas pertencem, em sua maioria, ao acervo de Paulo Gurgel Valente, herdeiro da autora, e a mostram em diferentes idades: da menina com a família em Recife à adulta grávida no terceiro mês de gestação ou ainda a esposa feliz dos anos 1940, posando em frente a um bar do Flamengo com o marido, Maury. Em outra, aparece livre e intensa em uma varanda napolitana, de vestido florido e cabelos para trás, mimetizada ao clima mediterrâneo.

Há, porém, uma raridade que Moser conseguiu com uma prima da escritora: trata-se de uma foto de sua família ainda na Ucrânia, em 1917, reunida para um matrimônio. Logo depois, todos migrariam para o Brasil para escapar da onda de antissemitismo que eclodiu com a Guerra Civil Russa (1917-1923).

“Essa foto me comove muito, porque a família se reúne sem ter ideia de que, em breve, seu mundo vai desmoronar”, diz Moser. “Também não sabe que dali sairá uma das mulheres mais famosas de um país distante (Clarice nasceria três anos depois da foto, em meio aos preparativos de fuga da família).”

Após a nova edição, que inaugura o lançamento do antigo catálogo da Cosac Naify, Moser pretende voltar ao universo de Clarice em breve. Embora ainda esteja finalizando uma biografia sobre a intelectual americana Susan Sontag, ele tem planos ainda de organizar a edição das cartas completas de Clarice, pela editora Rocco.

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“É um projeto para o futuro, talvez para daqui a dois ou três anos”, conta. “Sua correspondência está espalhada por muitos lugares, e não vejo a hora de voltar ao Brasil para pesquisar mais sobre isso.”