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Ben Kingley e Penélope Cruz: Fatal lida com problemas complexos sem fazer estardalhaços | Divulgação
Ben Kingley e Penélope Cruz: Fatal lida com problemas complexos sem fazer estardalhaços| Foto: Divulgação

Jean-Luc Godard sentenciou que livros bons rendem filmes ruins e vice-versa (na verdade, ele não disse "e vice-versa", mas deu a entender). Lançado em DVD, Fatal é uma exceção, ou a prova de que a teoria do cineasta francês não se sustenta.

O filme é uma adaptação segura do romance O Animal Agonizante, parte da série de livros um-melhor-que-o-outro que Philip Roth vem lançando nesta década – junto com Homem Comum, Fantasma Sai de Cena e Indignation (este ainda inédito no Brasil; os outros publicados no país pela Companhia das Letras).

Fatal faz justiça aos temas que têm perturbado Roth: doença, velhice, morte e sexo. O único elemento em que a cineasta Isabel Coixet pegou leve foi no erotismo, intenso na obra literária e sutil na cinematográfica.

O professor David Kepesh, um dos personagens célebres de Roth, é vivido por Ben Kingsley, um Sr. ator, vencedor do Oscar pelo papel principal em Gandhi (1982).

Divorciado e pai de um filho médico que enfrenta uma crise no casamento, Kepesh passa o tempo vivendo aventuras com ex-alunas que seduz na festa anual que realiza em seu apartamento, marcando o fim do ano letivo. Além da universidade, participa de um programa de tevê sobre literatura, em que comenta obras e autores para um público que imagina ser inexistente.

Aos poucos, ele sente as paredes se fecharem. Seu melhor amigo, o poeta George O’Hearn (Dennis Hopper), com quem joga partidas de squash e comenta aventuras amorosas, sofre um mal súbito durante uma leitura e vai parar no hospital. A morte passou perto o suficiente para abalar Kepesh.

À decadência física, soma-se uma paixão improvável: o professor mulherengo fica de queixo caído pela cubana Consuela, uma de suas alunas, interpretada por Penélope Cruz (que não precisa fazer esforço algum para parecer sedutora).

A questão é que o crítico literário tem pavor de assumir compromissos. O conflito que experimenta é interno. Está apaixonado e não consegue viver sem Consuela, mas não está disposto a abandonar sua "emancipação masculina" para colocar a paixão à prova.

Consuela demonstra ter mais experiência do que poderia se supor e dá uma aula sobre relacionamentos para o professor. Já Kepesh e O’Hearn parecem mais preocupados com a virilidade que dá sinais de cansaço à medida que envelhecem.

O poeta vive aventuras extraconjugais, mas defende que jamais teria coragem de largar a mulher, com quem é casado há décadas. São duas coisas distintas de que não quer abrir mão. Internado no hospital sem poder falar e se movendo com dificuldade, é à mulher que O’Hearn recorre. Numa cena constrangedora, ele tenta apalpar os seios dela na frente de Kepesh.

Sem estardalhaços, Fatal aborda problemas complexos, do casamento até a amizade e as relações entre pais e filhos.

A catalã Isabel Coixet já foi protegida de Pedro Almodóvar e dirigiu filmes bons como Minha Vida Sem Mim (2003), sobre uma garota que descobre ter pouco tempo de vida e decide cumprir uma lista de coisas enquanto ainda está viva, e A Vida Secreta das Palavras (2005), sobre uma trabalhadora surda que abre mão de suas férias para cuidar de um homem que sofreu queimaduras graves.

Kingsley tem idade (65 anos) e talento para encarnar um personagem de Roth. Os diálogos com o filho, incitando-o a superar o passado e a agir como adulto em vez de ficar sentindo pena de si mesmo, são muito bons. Não é todo ator que consegue tornar um canalha simpático – e Kingsley consegue.

O drama de Kepesh é o de um homem que chega à velhice com a maturidade emocional de um homem de 20 e poucos anos. Um jovem que entra em parafuso porque se descobre, mais rápido do que consegue aceitar, velho e mortal. GGG1/2

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