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Umbanda

Questão de fé e de cultura

Com raízes no candomblé, no espiritismo e no catolicismo, a religião, brasileira por excelência, faz cem anos, cresce e aparece

Dezenas de médiuns ajoelham-se diante de um dos pais-de-santo do terreiro Pai Maneco, em Curitiba | Antônio Costa fotos
Dezenas de médiuns ajoelham-se diante de um dos pais-de-santo do terreiro Pai Maneco, em Curitiba (Foto: Antônio Costa fotos)

Tum-tum-tum. A umbanda se faz notar, sobretudo, por meio da música, dos sons dos atabaques. Assim foi na noite da última terça-feira (16), quando a reportagem da Gazeta do Povo visitou o terreiro Pai Maneco, que existe há 21 anos e é um dos mais conhecidos da capital. No quilômetro 1 da Rodovia da Uva, sentido Curitiba-Colombo, outro algo chama atenção: centenas de carros no estacionamento. E, naturalmente, algumas centenas de pessoas atraídas pela cerimônia, no caso, a gira – como são chamadas as sessões de umbanda.

Há quem busque na umbanda conforto, seja amoroso, financeiro e/ou profissional. O professor de Física Joelcio Kuroske, de 32 anos, diz que foi o "vazio espiritual" que o levou até o terreiro. A empresária Suiane Coco, 26, começou a freqüentar a casadepois que ficou viúva e, também, devido a um problema de saúde. A ex-sem-teto Angela Moraes, 54, que "criou" 120 crianças na Praça Rui Barbosa, conhecida como "mãe-de-rua", foi em busca de comida e acabou se tornando adepta. Já faz seis anos. Desde então, abandonou a vida das ruas e o álcool.

A mãe-de-santo Lucília Guimarães, 48, reconhece que muitas pessoas se dirigem ao terreiro com a finalidade de resolver problemas de desemprego, síndrome do pânico e solidão. "As pessoas vivem em atrito consigo mesmas e criam 'campos energéticos' maléficos, que a umbanda tira", afirma Lucília. O militar João Emerson da Costa, 34, garante que a umbanda curou um tumor em seu cérebro. "Foi o tratamento espiritual", diz.

A reportagem da Gazeta do Povo detectou, por meio de conversas informais, que a umbanda se apresenta, entre outras coisas, como tábua de salvação para aqueles que parecem não encontrar nenhuma outra saída e só vêem escuridão no fim do túnel.

Modus operandi

A professora do mestrado em geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Aureanice de Mello Corrêa explica que a umbanda é uma prática religiosa de matriz africana, com influência do kardecismo e do catolicismo popular. E o que acontece em um terreiro? A doutora em cultura afro-brasileira explica: "A prática desta religião fundamenta-se na incorporação dos médiuns por entidades, que são espíritos que viveram uma vida carnal e que, por meio de indivíduos que possuem o dom da mediunidade (os médiuns), retornam ao mundo material para passar a sua mensagem ou orientações, através de consultas, nas quais, são prescritos banhos de ervas, orações, amuletos, benzimentos, que irão amenizar ou sanar os conflitos, aflições, doenças do corpo e do espírito daquele que crê na eficiência destas ações".

O pai-de-santo Fernando Guimarães, 72, dirigente espiritual do terreiro Pai Maneco, garante que tudo o que a professora da UERJ teoriza, acontece na prática. Na noite da última terça-feira, havia dezenas de médiuns, vestidos de branco, no centro do terreiro. Ao redor, centenas de pessoas, a chamada "assistência". A partir da música, os "pontos", os espíritos são invocados. "Os pretos velhos, caboclos ou mesmo crianças, antes de serem incorporados pelos médiuns, passam pelo congá, o altar do terreiro", explica Guimarães.

E os pontos, de fato, contagiam a assistência. "A música é o carro-chefe da umbanda", diz o pai-de-santo. No repertório do terreiro Pai Maneco, entre esses temas musicais, há de samba a blues. "Também cantamos canções do Raul Seixas", completa a mãe-de-santo Lucília. Assim, as pessoas cantam, os médiuns recebem espíritos e consultas espirituais são realizadas em meio a um clima festivo. "Estou aqui pela alegria e alto astral", comenta Caroline Pereira, 12, ao lado da amiga Juliana Neves, 15, que completa: "A umbanda é uma experiência bacana".

De entidades

"Toda pessoa é médium, e pode vir a receber espíritos." Quem afirma é Fernando Guimarães. "No entanto, alguns se desenvolvem mais que os outros", completa. No terreiro Pai Maneco há 1.400 médiuns cadastrados. Entre estes, sete pais-de-santo – quatro homens e três mulheres.

De segunda à sábado, cada noite tem um pai-de-santo diferente na casa. E, afinal, por que o nome Pai Maneco? "Ele é uma entidade, o 'filósofo' do terreiro", conta o "Pai Fernando". No terreiro, segue-se as palavras-legado do Pai Maneco. E quais seriam essas mensagens? "Perdão não se pede, se conquista". O que mais? "Não cobrar (dinheiro) e não usar sangue (sacrifício de animais)." Além de Pai Maneco, quem também tem voz ativa é o Caboclo Akuan. "Ele manda aqui", completa Guimarães.

A mãe-de-santo Lucília analisa que a umbanda atrai as pessoas por que se guia por uma "sabedoria simples". "Ao invés de esperança, determinação", diz. Ela conta que na umbanda não há pecado. "O umbandista obtém respostas rápidas. E o erro tem conseqüências imediatas, como se fosse um bumerangue. É preciso se 'policiar'. Você está sujeito a seus próprios erros", explica. E, entre as ações do umbandistas, figuram a oferenda de comidas aos espíritos – ato chamado de "amalá" – também conhecido como despacho.

Questão de fé, de crença, mas também de cultura, a umbanda, no ano em que completa cem anos, conquista fiéis, cresce e ganha adeptos em Curitiba. Confira, nas páginas 2 e 3, números, dados e outras informações sobre a religião.

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