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É famoso o soneto de Coelho Neto: "ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração"...

Já no terceiro milênio, ser avô é desdobrar fralda, aba por aba, descobrindo alças adesivas, até poder fazer isso de olhos fechados, até porque o neto faz cocô no meio da noite e o vô está tropeçando de sono.

Ser avó é fingir que come até brócolis com muito gosto, para mostrar aos netos, exemplo em vez de discurso.

Depois, ser avô é ver os netos comerem com gosto apenas tomates, como sempre, que eles comem até inteiros como frutas (nisso, o vô diz à vó que a família evoluiu. Ou involuiu, diz ela, macacos também comem frutas se lambuzando desse jeito).

Ser avô hoje também é fazer cara feliz em eletroparque infantil de shopping, onde os netos mexem alucinadamente nos brinquedos eletrônicos em que o vô não veem graça nenhuma.

Ser avô é ver O Rei Leão pela vigésima vez, os netos fazendo perguntas sobre cada cena, a vó dizendo que é preciso responder porque é sinal de que estão crescendo culturalmente, e, afinal, O Rei Leão é baseado em Hamlet, então ser avô é esconder os bocejos e ver O Rei Leão shakespereanamente.

Ser avô é saber o exato e correto momento fisio-socio-histórico-cultural de dizer ao neto: – Chega de colo, você já é um homenzinho!

Ser avô é estar preparado para ouvir no dia seguinte: – Mas hoje eu não quero ser homenzinho, vô!

Ser avô é dormir contando historinha para o neto, e acordar no meio da madrugada com livro no peito, mas com um ressonar tranquilo ao lado, e olhar a carinha de anjo do neto dormindo, e se sentir um baita vô mesmo com torcicolo.

Ser avô é mostrar aos netos fotos do avô do vô, até ouvir um neto perguntar porque aquele bigodão, para outro neto responder: – É que ele era punk, né, vô?

Ser avô é levar o neto ao museu, explicando que é para conhecerem o passado, e depois ouvir um perguntar: – E quando a gente vai no museu do futuro, vô?

Ser avô é fazer cursinho intensivo com o genro mais nerd, para saber ao menos as diferenças entre game e demo, iPod e iPad etc, para não passar por velho ignorante.

Ser avô é ter o que dizer quando o neto perguntar porque, se droga é tão ruim como fala a tevê, porque tanta gente ainda compra droga como também fala a tevê?

Ser avô é ser monitorado em cada sinaleiro: – Tá vermelho, vô! Ta verde, vô!

Ser avô é perguntar de quem é o celular que está tocando, e ouvir o neto responder: – É sempre de quem tá perguntando, vô!

Ser avô é orientar a neta mocinha a evitar gravidez, e ouvir ela dizer: – Não fala pra mim, vô, fala pros rapazes!

Ser avô é querer ensinar educação financeira ao neto, dizendo que cada tostão é importante, e ouvir ele dizer: – O senhor acredita mesmo que a fortuna do Tio Patinhas começou com uma moeda, vô?...

Ser avô é perguntar ao neto se ele sabe que tatuagens duram para sempre, e ouvir a resposta: – Claro, né, vô, por isso vou fazer muitas durante muito tempo, pra quando ficar velho que nem você, ir revendo minha vida...

Ser avô é, enfim, dobrar o jornal e explicar porque tem tanta gente ruim e coisa feia no mundo mas, também, muita gente boa e muita coisa bonita, e ouvir com orgulho:

– Você é bom, né, vô?

E depois ouvir com resignação:

– Mas bonita é a vó, né?

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