• Carregando...
John Lennon escreveu dois livros, um deles traduzido por Paulo Leminski | Divulgação/EMI
John Lennon escreveu dois livros, um deles traduzido por Paulo Leminski| Foto: Divulgação/EMI
  • Discos remasterizados de John Lennon chegam ao mercado. Confira

John Lennon é considerado, ao lado de Bob Dylan, como o me­­lhor letrista do rock-and-roll. O poeta Régis Bonvicino compartilha desse ponto de vista e diz por quê: "O processo de Lennon aproxima-se do processo da poesia escrita de alto nível, apesar de ser mesmo letra e não funcionar sem a canção".Depois dos Beatles, o texto da música pop não mais seria o mesmo. "Lennon foi um ótimo letrista. Ele entendeu a lição do Dylan e ajudou a sofisticar aquela coisa goma de mascar do rock", diz Cadão Volpato, escritor, vocalista e letrista da banda Fellini, apresentador e diretor do programa Metrópolis, da TV Cultura (SP).

De fato, parece não haver dúvidas a respeito do talento de Lennon no uso da palavra escrita, apesar de que, no que diz respeito aos Beatles, havia o fator Paul McCartney. É difícil saber quem fez o quê e, como eles assinaram muitas das composições em parceria, apontar Lennon como o suposto autor de todas as letras, e McCartney como o responsável apenas pelas melodias, é, no mínimo, leviandade.

Mas há um fato que reforça a faceta de prosador de Lennon: ele lançou dois livros, In His Own Write (1964) e A Spaniard in the Works (1965). Os Beatles já faziam moças e rapazes cantarem as suas canções contagiantes quando o cantor e guitarrista da banda mostrou um outro lado de sua personalidade, por meio de enredos surreais, repletos de palavras inventadas, dialogando com escritores experimentais como Lewis Carroll e James Joyce.

"São livros despretensiosos, com espírito livre. Falam muito dos Beatles que viriam em seguida, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, The White Album e Abbey Road, discos experimentais, fundantes, paradigmáticos", afirma Bovincino.

O argumento do poeta paulistano faz todo o sentido: quando os romances de Lennon foram publicados, o quarteto inglês atravessava o Oceano Atlântico para fazer a América a partir de canções irresistíveis, como "She Loves You" e "I Want to Hold Your Hand", inegavelmente menos complexas do que o nonsense de A Spaniard in the Works, que foi traduzido para o português por Paulo Leminski, com o título Um Atrapalho no Trabalho.

Distante da unaminidade

A segunda longa narrativa de Lennon parece não agradar nem mesmo aqueles que admiram quase tudo o que ele fez no universo musical. Humberto Gessinger, hoje no projeto Pouca Vogal, mais conhecido pela sua perfomance à frente dos Engenheiros do Hawaii, conta que leu Um Atrapalho no Trabalho há muito tempo e observa que a obra não o impressionou. "Tenho pé atrás com traduções e esta, feita por um gênio [Paulo Leminski], me deixava sempre com um pé atrás durante a leitura: Eu ficava pensando: ‘Quem está falando, John ou Paulo’?", questiona Gessinger.

Cadão Volpato não gosta o romance traduzido por Leminski. "Ele (Lennon) escreveu por escrever, esticando um surrealismo adolescente a ponto de esgarçar. Engraçado é que o livro do Dylan, Tarantula, vai na mesma pegada. Os dois volumes são bem chatos, no limite do insuportável. Mas quando Lennon tem que se restringir aos limites da canção, e tem um ombudsman como o Paul, ele tira o máximo de si mesmo", diz.

Se a faceta de escritor não convence Volpato, o que Lennon se tornou após o fim dos Beatles é, para ele, motivo de vaia: "Francamente, essa coisa de piano branco, paz e Yoko é a coisa mais chata do legado de Lennon", critica. Gessinger, por sua vez, é todo aplausos para a fase piano branco, paz e Yoko: "Pra mim, o álbum Imagine é conceitual, leio como se fosse um único longo poema" .

Opiniões à parte, os entrevistados pela reportagem da Gazeta do Povo são unânimes em reconhecer que o a cultura pop é fruto da passagem de Lennon pelo planeta Terra.

De toda forma, o professor de Literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luís Augusto Fischer faz uma ponderação: "Não sei se alguma das canções dele terá sobrevivência em patamar relevante, mas é certo que a figura dele, as canções mais a atitude dele, são um marco nessa história das relações entre a ingenuidade do pop do pós-Segunda Guerra e o mercado maduro da indústria cultural".

Talvez a fala de Cadão Volpato consiga sintetizar a relevância do Lennon letrista, que não pode ser separado da companhia de McCartney. "Eles eram pessoas antenadas, falavam de coisas que estavam no ar, mas os roqueiros não sabiam alcançar. Alguém precisava mostrar o óbvio: que o mundo é maior que uma canção de amor, uma canção de goma de mascar. Os Beatles foram a evolução de uma espécie".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]