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Minha filha deixou meu neto aqui na chácara, e ela ia entrando no carro para voltar à cidade quando ele gritou:

– Tiao, mãe! Te amo muito!

Ela se foi e ele continuou a brincar, mas eu fiquei ouvindo o coração. Porque sou de uma geração que não sabia falar, não foi educada a falar, não ousava falar, não teve a graça de falar "te amo".

Só fui dizer "te amo" a minha mãe pouco antes dela morrer, quando já estava evidente que vivia suas últimas semanas e, se eu não falasse, ela nunca ouviria de minha boca essas duas palavrinhas tão imensas para quem ouve, "te amo".

Meu pai nunca ouviu de mim "te amo, pai". Talvez porque entre os homens de tantas gerações antes desta, dizer "te amo" pudesse ser visto como fraqueza, delicadeza pouco viril – pois era ainda um mundo em que homens não deviam chorar e mulheres deviam conhecer seu lugar.

"Te amo" a gente ouvia, sim, da boca dos atores nos filmes. Desde menino vi minha nonna a ouvir "te amo" também, nas novelas de rádio. Mas, na vida real, ah, ninguém amava ninguém, todo mundo podia, no máximo, gostar de alguém, até gostar muito, mas amar não, era palavra proibida naquele mundo de sentimentos fechados.

Era como ter um cofre no peito, que tinha dentro sentimentos mas ninguém podia ver, como ninguém vê as joias em cofres, embora joias só consigam brilhar iluminadas.

Vendo meu neto brincar, fiquei pensando nas pessoas que abriram esse cofre com variadas chaves.

Desconfio que começamos a abrir o cofre quando as mulheres foram trabalhar fora de casa e os homens tiveram de compartilhar tarefas domésticas.

Continuamos a abrir o cofre quando pais e mães começaram a tomar banho pelados com as crianças. (Sou da geração que só tomou banho de mar ou de rio com os pais...)

Decerto também abrimos um pouco mais o cofre quando, nas refeições, os jovens puderam falar em vez de apenas ouvir.

Abrimos mais ainda o cofre quando mães separadas tiveram de explicar que, mesmo morando noutra casa, o pai continuava amando os filhos.

O cofre abriu também quando os avós, vivendo mais longamente que todas as gerações anteriores, puderam viver não apenas para trabalhar ou para esperar a morte, mas também para conviver com os netos, e lhes disseram, com a displicente autoridade que a idade permite, "eu amo vocês, seus pestes".

Esse cofre de emoções reprimidas, que carregamos pesadamente tanto tempo, fica mais leve, e até gostoso de carregar, quando ouvimos "te amo"; e, quando devolvemos "te amo também", vai-se todo peso, o cofre vira balão.

Quando você falou "te amo muito", meu neto, desconfiei desse "muito". Você estaria fingindo? Falou por hábito já banal, repetindo por vício o que ouve tanto falarem?

Sei, no entanto, que você foi sincero, porque correu a abraçar tua mãe antes dela entrar no carro. Um abraço apertado, peito colando, não abraço formal com rigidez nos músculos e vazio entre os corpos. Abraço mesmo, duas pessoas virando uma num momento de amor.

Tive orgulho de você, menino, e de você, minha filha, não apenas por ser mãe do meu neto mas, também, mãe de um futuro melhor, como todas vocês que não hesitam dizer com todas as letras "te amo", para seus filhos, seus homens, seus amigos, toda a gente que mereça amor.

Como disse Raul, vocês vão alcançar a luz, porque não têm medo nem vergonha de amar.

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