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O compositor em frente a sua casa no centro do Rio: cronista refinado e filósofo de seu tempo | Divulgação
O compositor em frente a sua casa no centro do Rio: cronista refinado e filósofo de seu tempo| Foto: Divulgação

Saudade

Compositor passou temporada em Curitiba na década de 1930

Antes de alcançar o sucesso nacional (com "Oh, Seu Oscar", de 1939), Wilson Baptista formava com o cantor baiano Erasmo Silva a dupla Verde e Amarelo. Cantando um repertório de sambas e marchas, eles chegaram a passar uma longa temporada na Argentina e em São Paulo, entre os anos de 1936 e 37, quando a dupla desembarcou no Paraná. Primeiro em Paranaguá e, depois, durante 15 dias, em apresentações no Cassino Estância Mercês, que funcionava no edifício Moreira Garcez, na Boca Maldita, no centro de Curitiba.

O cassino vivia seus últimos di­­as. Naquele mesmo ano, o inter­­ventor Manoel Ribas decretaria o seu fechamento. A dupla veio acompanhada do cantor Vassourinha e causou furor, segundo o livro, no gelado inverno curitibano. Houve ainda apresentações ao vivo no auditório da Rádio Clube Paranaense.

720 foi o número de músicas de Wilson Baptista segundo a pesquisa de Rodrigo Alzuguir. Muitas delas foram vendidas a "compradores de sambas".

Livro

Wilson Baptista – O Samba Foi Sua Glória!Rodrigo Alzuguir. Casa da Palavra, 584 págs., R$ 49,90.

  • Wilson x Noel: na famosa polêmica entre os dois gênios, o primeiro saiu como vilão
  • Uma festa boêmia em Curitiba em 1937: Vassourinha, Wilson e Erasmo Silva estão no centro da foto

A figura pública do compositor Wilson Baptista (1913-1968) é costumeiramente ligada aos malandros de navalha no bolso e tamanco arrastando com quem conviveu nos gloriosos tempos da Lapa boêmia, e sobre os quais escreveu melhor do que ninguém.

O personagem que emerge das páginas da caudalosa biografia Wilson Baptista – O Samba Foi Sua Glória!, lançado há uma semana, porém, é muito mais complexo e interessante. Segundo o escritor Rodrigo Alzuguir, autor da minuciosa pesquisa que durou dez anos, Wilson era um "sambista que remava contra a maré". "Ele não era ligado a morro, a escolas de samba, a religiões e era abstêmio", explica. O estereótipo de "rapaz folgado", forjado na famosa polêmica com Noel Rosa (leia mais nesta página) também é quebrado. "Ele foi o compositor mais fértil de sua geração e compôs mais de 700 músicas." Grande parte delas, famelicamente vendida aos mercadores de samba comuns naquele momento de surgimento da indústria fonográfica nacional.

Cronista

A principal característica de Wilson era um olhar poético do cotidiano urbano. Semiletrado, ele conseguiu produzir letras que eram crônicas sofisticadas com citações que iam do escritor Honoré de Balzac ao filósofo Jean-Jacques Rousseau.

"Há uma qualidade e uma originalidade incríveis em sua obra. São músicas bem humoradas e muito bem construídas, verdadeiras crônicas de seu tempo. Política, carnaval, futebol... é possível contar a história do Rio de 1930 a 1960 através de seus sambas", atesta Alzuguir.

O livro faz um retrato muito vivo daquela época e espaço – o Rio de Janeiro dos cantores do rádio, dos boêmios e valentões, das vedetes fatais, dos cassinos e teatros de revista – com o mérito de fugir da romantização caricatural de algumas outras obras sobre o tema. E traz como contribuição inédita a história, até então mal contada, da infância do compositor na cidade de Campos de Goytacazes, no norte fluminense. Wilson nasceu em família ligada à música, ao carnaval e à luta abolicionista. Quando chegou, clandestino, em um vagão de gado, à então capital federal, aos 13 anos, já era compositor.

O livro também conta com riqueza de detalhes as excursões como cantor à Argentina e até a Curitiba (leia mais ao lado); a ascensão ao primeiro time de compositores do país após o sucesso de "Oh, Seu Oscar". "Acho que foi o primeiro viral da história. A música tornou-se onipresente". Vieram muitos outros sucessos, como "Emília", "Acertei no Milhar" e "Chico Brito", gravadas pelos maiores cantores do país.

Wilson morreu pobre, esquecido e amargurado. Esta biografia serve para recolocá-lo no lugar que sua obra merece: entre os maiores nomes da música brasileira.

Polêmica com Noel Rosa marcou a carreira do músico É impossível falar da obra de Wilson Baptista sem citar a famosa diatribe musical com Noel Rosa no episódio que entrou para a história da música como "a polêmica". O livro de Alzuguir consegue aprofundar em detalhes as circunstâncias e razões da controvérsia. "A coisa começou depois que Wilson e Noel disputaram uma dançarina do Café Apollo, na Lapa, e Wilson levou a melhor. Noel, então, como forma de vingança, rebateu o samba mais recente de Wilson ["Lenço no Pescoço", uma verdadeira apologia ao modo de vida dos malandros do bairro] com o desaforado samba "Rapaz Folgado". Seguiram-se uma série de sambas em que os dois se confrontavam, até que Wilson compôs "Frankenstein da Vila", um samba em que apontava o dedo para a feiura do rival. Alzuguir conta que tudo foi "uma brincadeira entre os dois que não teve maiores repercussões na época, fora a galhofa nas rodas de compositores". Ele diz que, nos anos 1950, quando a história de Noel passou a ser resgatada, Wilson acabou ficando com o status de vilão da polêmica. Para Alzuguir, uma "injustiça que serviu para esconder a verdadeira dimensão da obra do compositor no universo do samba".

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