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Não era difícil ver Sting com o cacique Raoni Metuktire nos anos 80. O astro do rock e o líder indígena estabeleceram uma amizade a partir do amor comum pela natureza e pelo ativismo. Mas a ligação do eterno membro do The Police com o Brasil sempre foi mais profunda do que isso.
Em sua autobiografia, Broken Music, ele abre o conto de sua vida com uma passagem pelo Rio de Janeiro, em 1987, quando viveu uma experiência religiosa com ayahuasca que o marcou. Também se mostra bastante antenado quando o assunto é a política ambiental de nosso país. Já criticou decisões de mais de um presidente daqui, inclusive da gestão atual de Luiz Inácio Lula da Silva, destacando impactos que a Lei do Marco Temporal causaria aos indígenas. Errado ou não, o britânico demonstra não ter medo de falar, além de ser um eterno apaixonado pela floresta amazônica. E é por isso que Sting está tão ansioso para tocar no Brasil neste mês.
Com shows na capital carioca (14), em São Paulo (16) e Curitiba (18), o músico apresenta a turnê Sting 3.0, retomando o formato de power trio que o consagrou no The Police. As apresentações acontecem após Sting adiar datas nos EUA, pois enfrentava uma infecção na garganta. Em entrevista por videoconferência para a Gazeta do Povo, garantiu que está recuperado, brincando que “para um cantor, isso é como uma lesão esportiva”.
Ele e sua banda (composta por Dominic Miller, guitarrista que o acompanha há 35 anos, e o baterista Chris Maas) fazem um show de retrospectiva na atual turnê, embalando versões de sucessos do The Police e da carreira solo. O desafio disso está em adaptar arranjos instrumentais complexos com apenas três instrumentos no palco (quatro, se for considerada a inimitável voz de Sting). Esse é um dos principais atrativos do formato para o artista, que se diz sempre em busca de uma novidade dentro dos clássicos Every Breath You Take, Englishman in New York e Shape of My Heart, que devem fazer parte do setlist brasileiro. Confira a entrevista abaixo.
Gazeta do Povo – Como está a sua saúde?
Sting – Estava com uma dor de garganta há algumas semanas, então tive de cancelar um punhado de shows. Para um cantor, isso é como uma lesão esportiva. Não é uma doença ou algo sério, mas você precisa cuidar do músculo.
De onde surgiu a ideia de retornar ao formato de power trio em seus shows?
Eu tenho alguma experiência tocando em uma banda com três integrantes, como você provavelmente sabe. Senti que seria interessante voltar a isso após tocar em tantas outras configurações com bandas maiores, com sete instrumentos, oito ou até uma orquestra preenchendo todas as frequências com som. Voltar a tocar em trio exige que você tire um monte de coisas das músicas. Tudo que você tem é apenas a estrutura básica, o esqueleto, que deve ser robusto o suficiente para aguentar essa subtração. Tem sido uma jornada interessante, porque as canções são fortes. E, de muitas formas, tirar o excesso abrilhanta a música, trazendo mais clareza para ela. Isso me faz trabalhar mais, mas acaba tornando o show mais divertido. Há um grande sentimento de realização no fim da noite, só por conseguir fazer isso.
Você sente que essa abordagem crua é mais interessante para a fase atual de sua carreira?
Nesse estágio, estou sempre buscando por algo novo dentro das músicas. Meu trabalho é cantá-las como se tivesse acabado de escrevê-las, trazendo a mesma curiosidade e senso de descoberta de quando as compus. E é isso que fazemos em todos os shows. Não espero reproduzir algo que foi feito há 40 anos. Quero produzir algo que é inédito, vital e vivo. Algo orgânico e que não esteja morto.
Com a mudança para o trio e o lançamento de uma música com ele, I Wrote Your Name (Upon My Heart), muitos criaram a expectativa de uma sonoridade mais próxima à do The Police. Mas me soou como algo completamente diferente.
Eu não fujo da comparação com o The Police de forma alguma. Fui uma grande parte na criação daquela sonoridade, então não é como se fosse um problema. Mas também não queremos refazer aquilo. São músicos diferentes e sou o único elemento comum ali. Obviamente, o projeto convida a comparações, porém creio que sobrevivemos muito bem apesar delas.
Você já tocou mais tempo com seu guitarrista, Dominic Miller, do que com qualquer outro músico, inclusive do The Police. Como você avalia a colaboração com ele?
A relação é muito intensa. E temos um relacionamento musical bastante profundo também. Acho que ele traz algo para as músicas que gosto muito. Considero-o um gênio, de muitas formas. Sou muito grato. E Dom está muito feliz neste formato com três integrantes. Ele tem mais trabalho para fazer, porém uma grande liberdade com as harmonias. E ele se aplica muito nisso.
Em uma entrevista com o youtuber Rick Beato, ele comentou como ama os riffs do The Police e que não gosta de alterá-los. Vocês estão mantendo ou alterando os riffs de músicas como Every Breath You Take e Message in a Bottle?
Depende do que sentimos ser certo na noite ou no dia. Sabe, muito do que fazemos no palco é improvisado. E você pode fazer isso com uma banda pequena. Enquanto com um grupo maior você precisa fazer os arranjos nota a nota. Com o trio, há muito mais abertura. A estratégia fica em aberto.
Você está planejando gravar algum álbum ao vivo ou de estúdio?
Vamos gravar na próxima semana. Faremos a turnê, iremos para o estúdio e veremos o que vai acontecer. Mas será no espírito da experimentação. Eu sempre digo que não estamos fazendo um álbum. Aplico esse truque comigo. E daí, às vezes, acidentalmente fazemos um disco.
A sua música Russians completa 40 anos em 2025. Você ainda a considera relevante ou planeja tocá-la na turnê?
Eu a toquei no começo da guerra na Ucrânia. É uma sugestão complexa, apesar de ser uma ideia simples. Eu posso dizer o seguinte: sinto que o senhor Putin não ama mais seus filhos. Ele está disposto a sacrificá-los por seus ideais políticos. Então, eu não toco mais essa música.
Hoje são poucos os artistas que, assim como você, se posicionam tão claramente contra esse tipo de questão. Por que você acha que isso aconteceu? Acha que as pessoas não são mais tão vocais quanto na década de 80?
Eu sempre me considerei mais um cidadão do que uma estrela. E, claro, cidadãos tem privilégios, mas também possuem deveres. Acredito que um dos deveres dos cidadãos seja o de expor seu pensamento, seja sobre política, questões sociais ou até questões ambientais. Nunca tive vergonha de expressar o meu ponto de vista. Ao mesmo tempo, sou somente um cantor. Não tenho mais direito de falar do que qualquer outra pessoa. Mas, ainda sim, eu tenho o direito de me expressar.

Recentemente, você tocou no FireAid, festival beneficente em prol das vítimas dos incêndios em Los Angeles. Como foi a experiência?
Eu tinha uma casa em Los Angeles que estava na zona do fogo. E meu filho perdeu essa casa, então houve um elemento pessoal para mim nisso tudo. Havia um grande espírito de comunidade entre os artistas durante o evento. Todos estavam felizes por estarem lá e dividir o palco. Os espectadores eram compostos por pessoas que perderam suas casas ou voluntários no serviço dos bombeiros. E esse espírito de comunidade foi muito envolvente e poderoso. Fiquei muito feliz em poder estar lá. Acho que levantaram uma quantia substancial de dinheiro. E torço que ele vá para os lugares certos, para as pessoas que perderam tudo ou que não tem mais nada para recomeçar. Vamos ver.
O que você mais espera fazer aqui no Brasil?
Eu fiz muitos amigos durante minhas passagens por aí, e estou muito ansioso para vê-los novamente, mesmo que brevemente. Sempre fui muito intrigado com a situação política no Brasil. Hoje mesmo, li um artigo sobre cidades antigas que foram descobertas na Amazônia. E esses sítios arqueológicos revelam que a biodiversidade da floresta amazônica foi feita por pessoas que estavam criando jardins. Pessoas que sabiam balancear o ecossistema. Isso é intrigante para mim.
Você planeja fazer algo especial para os shows no Brasil, considerando seu relacionamento com o país e a Amazônia?
As pessoas sabem que sempre tive uma afinidade próxima com os brasileiros. E isso é óbvio. Não acho que devo fazer algo muito especial, pois essa conexão é conhecida. E sou grato por poder me reconectar com isso tudo.
Tem falado com o cacique Raoni?
Eu o vi há cerca de um ano, no aniversário dele. Ocasionalmente, entramos em contato. Ele é extraordinário. Nem sei ao certo quantos anos ele tem, acho que nem ele próprio. Mas é um homem muito forte.