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Igor Francisco escreve cartas de amor e perdão para quem quiser sentar lá e conversar. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo| Foto: Gazeta do Povo

“Não deixe que as palavras te impeçam de falar”. Essa é a proposta do redator publicitário Igor Francisco, de 29 anos, para quem caminha pela Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba. Acompanhado de uma cadeira de praia, de um quadro explicativo e de um bloco de notas, Francisco tem se sentado na praça, ao lado da estátua de Ruy Barbosa, desde o início de abril. O objetivo é ajudar as pessoas a se livrarem do receio de colocar ideias e sentimentos em palavras, começando por escrever cartas de amor ou de perdão — ou os dois juntos, se for o caso.


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Para receber a ajuda, basta que o interessado se sente e conte a sua história ao redator. Cerca de meia hora de conversa depois, um rascunho de carta é apresentado por ele, que se compromete a enviar uma versão mais consolidada por e-mail, até o fim do dia. A carta final, porém, deve ficar a cargo do entrevistado, que durante o processo recebe dicas de como usar as palavras escritas com mais facilidade. Tudo isso, gratuitamente.

Professor de redação há três anos, Francisco teve a ideia do projeto ao perceber o quanto as pessoas tinham dificuldade em escrever por um motivo muito específico: o medo de errar. “As pessoas acham que para escrever é preciso escrever “certo”, é preciso usar as palavras perfeitas e com a gramática impecável. Isso as impede de começar os textos e de praticar”, explica. Por isso, em troca de escrever as cartas, ele pede respostas para algumas questões, com o objetivo de aperfeiçoar a própria técnica de ensino de redação.

Por que as cartas têm de ser de amor ou perdão? Justamente porque, para transmitir esses sentimentos, as palavras mais corretas são sempre as mais genuínas, garante. Além disso, o redator acrescenta que a proposta pretende romper o ciclo de ódio que muita gente tem experienciado na internet. “A gente vê tanta briga nas redes sociais, tantas notícias ruins… Isso acaba gerando uma 'depressão coletiva'”, lamenta. Assim, a escolha é por promover sentimentos bons.

Apesar de lembrar a atividade da protagonista do filme brasileiro Central do Brasil, Francisco garante que as inspirações para o modelo do projeto foram outras. “Me lembro de descobrir na internet uma pessoa que se propôs a escrever cartas de amor gratuitamente e pensar que era algo que eu também poderia fazer”, explica.

Desde o início deste mês de abril, o escritor já fez cinco momentos de escuta nos quais conversou com seis pessoas diferentes. Os horários escolhidos são sempre entre o fim da manhã e o início da tarde, quando muita gente está em horário de almoço, ou no fim da tarde, quando muitos já terminaram o expediente. A estratégia busca os momentos de maior movimento na praça, e tem dado certo.

Entre as pessoas com quem ele conversou, a maioria é natural de Curitiba, mesmo — contrariando o estereótipo de que curitibanos não conversam com estranhos. Para Francisco, um dos momentos mais marcantes até então envolveu um dos garis responsáveis pela limpeza da praça: “Ele viu a placa e ao invés de sentar para conversar comigo, começou a falar sobre o que ele pensava do amor. Foi quase um manifesto, ele varria um pouco e voltava para falar comigo”.

Em meio às ideias do interlocutor, Francisco destaca o que ouviu sobre o amor nos tempos da internet: “Ele comentou sobre como a internet deixa tudo muito rápido e as pessoas não se conhecem direito”. O redator publicitário também já chegou a ouvir histórias um tanto inusitadas, como a sequência de desastres do primeiro encontro de um casal. “Ele foi abrir o champagne e a rolha bateu no teto e em seguida no rosto da menina. Parecia que iria dar tudo errado, mas no fim eles acabaram namorando”, relata.

Até então, a maioria das histórias contadas para a produção das cartas é de amor. No entanto, nem sempre se trata de amor entre casais. Uma das cartas mais marcantes, por exemplo, foi solicitada por um senhor idoso que queria demonstrar o afeto aos netos, que moravam longe. Seja qual for o caso ou o tipo da pessoa entrevistada, porém, Francisco percebe o quanto as pessoas confiam a ele suas histórias apenas por entenderem que ele domina a técnica da escrita. E é justamente isso o que ele tenta mostrar que não é estritamente necessário ao escrever sobre sentimentos, por exemplo.

Para dar um toque mais pessoal ao texto, o truque é ser um bom observador. É preciso, segundo ele, estar atento ao tom de voz da pessoa, se é mais animada ou se tem a fala calma, se usa gírias ou se tem um vocabulário mais tradicional, se é piadista ou séria, por exemplo. Todas essas particularidades ajudam a fazer com que o texto tenha a característica de quem conta a história , mesmo que o gatilho para a construção da narrativa seja de Francisco

Para ele, além de cumprir seu objetivo de entender de onde nascem os medos das pessoas pela escrita, a experiência tem sido gratificante por um motivo inesperado: “Eu vejo o quanto conversar com pessoas de todos os tipos tem me ajudado a sair da minha bolha, a conhecer novas formas de pensar”. Até porque independentemente de gostos pessoais, de escolhas políticas, do estilo de vida ou da idade, não há quem não tenha algo para dizer a alguém sobre amor ou perdão. E isso agora Francisco pode constatar.

Quem ficou interessado em receber a orientação de Francisco deve procurá-lo na Praça Santos Andrade, sempre em frente à estátua de Ruy Barbosa, que é a maior do espaço, e fica em cima de um obelisco. Apesar de não ter dias certos para fazer as sessões de escrita, o redator explica que deve continuar ao longo do mês de abril, sempre no horário de almoço ou no fim da tarde. Maiores informações podem ser encontradas em sua conta no Instagram, @igorfrancisco_ , onde com frequência ele faz postagens contando sobre as experiências com o projeto.

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