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Ônibus num antipó de Santa Felicidade: bairros são os mais afetados por trepidação por causa do revestimento | Valterci Santos/Gazeta do Povo
Ônibus num antipó de Santa Felicidade: bairros são os mais afetados por trepidação por causa do revestimento| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

O que diz a lei

Em caso de "abalos" na rua, o que se pode fazer:

- Segundo a doutrina jurídica, para caracterizar a responsabilidade civil do município a vítima precisa demonstrar o nexo causal entre a obra e o prejuízo sofrido. A administração pública só se libera do encargo se comprovar a culpa exclusiva da vítima, ou a ausência de relação entre a obra e o dano. É a regra do artigo 37, parágrafo sexto da Constituição Federal, que consagrou a responsabilidade objetiva do poder público e de seus delegados pelos atos lesivos aos particulares. O administrador público responde inclusive pelos danos causados por um construtor particular por ele contratado para executar a obra.

- Quem se sentir prejudicado pode, sozinho ou em grupo, contratar um perito para fazer laudos que comprovem que as rachaduras foram causadas pelas falhas no asfalto. A partir daí, pode mover uma ação conjunta contra o município. Outra opção é acionar o Ministério Público e solicitar a perícia. Nesse caso, os honorários são cobrados daquele que perder o processo.

A terra treme várias vezes ao dia, todos os dias, em diversos pontos de Curitiba. A causa dos abalos não está apenas sob a terra, mas também sobre ela. Não se trata de nenhuma acomodação de placas tectônicas, e sim do choque do rodado de veículos pesados na superfície irregular das ruas esburacadas ou mal-remendadas. A topografia acidentada em alguns pontos e o solo argiloso deixam a capital muito suscetível a estremecimentos. Moradores de diferentes regiões reclamam tanto do desconforto das trepidações quanto de estragos na estrutura das casas. Mas há motivos para preocupação? Esses sismos podem causar algum dano?

"Não só podem como vão", enfatiza o PhD em Engenharia Estrutural Mauro Lacerda, professor titular de Engenharia Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para imóveis submetidos a tremores constantes, a dúvida não é "se" vai acontecer dano, mas "quando" vai acontecer. Os efeitos nem sempre são imediatos. O risco de colapso é maior para edificações mais antigas. Para as mais novas, o problema está na redução da vida útil. O que vai determinar a aceleração da fadiga da estrutura é a qualidade da construção, a frequência e a intensidade da pressão. São esses fatores somados que vão determinar quanto tempo de "vida" uma edificação perderá.

Ainda que não ateste o colapso da estrutura sem antes ter um estudo de caso em mãos, o presidente do Sindicato dos Engenhei­ros do Paraná, Valter Fanini, reconhece que esses tremores podem fatigá-la com o tempo. Todo o Planalto Curiti­bano tem um terreno argiloso e de turfa, fazendo com que as vibrações geradas por veículos pesados se difundam no subsolo igual a uma espécie de efeito gelatina. De forma mais imediata, essa movimentação da terra pode trincar ou soltar o reboco de construções e até mesmo soltar parafusos de eletrodomésticos quando a base em que estão apoiados é submetida a tremores frequentes.

Lacerda explica que o pavimento flexível – caso do asfalto e do antipó, que predomina nas ruas curitibanas – obedece à topografia do terreno e transmite para o solo a vibração causada pelo veículo. As ondas se propagam em maior intensidade, e a uma distância maior, quando o impacto do rodado se dá em vias irregulares, que são maioria mesmo nos corredores de ônibus da capital. Segundo Lacerda, a velocidade mais a massa dos ônibus criam uma situação de risco para as edificações. Para esse PhD em Engenharia Estrutural, a rua nem precisa estar esburacada ou com desníveis para causar o mesmo efeito quando há tráfego pesado.

"Se quiser derrubar uma casa, bota uma lombada na frente dela. Vai causar problema, principalmente se for mais antiga", diz ele. O choque dos pneus de ônibus ou caminhões no quebra-molas também provoca vibrações que se propagam em terreno argiloso. Para Lacerda, toda pavimentação de rua deveria ter antes um estudo do impacto que isso causará ao redor. As administrações públicas costumam melhorar a rua para os carros, mas não para o entorno da via. Segundo ele, uma solução possível seria trocar o pavimento flexível pelo rígido, caso do concreto. Isso já foi feito, por exemplo, em trechos das avenidas Iguaçu e Getúlio Vargas.

Segundo o secretário municipal de Obras, Mário Tukumi, o solo passa por análise antes de receber o pavimento. Há pontos em que é preciso cavar muito o terreno e recheá-lo com saibro para assentar o asfalto, de modo a reduzir os tremores. Contudo, ele ressalta que o tipo de solo curitibano impede a eliminação total das trepidações. Engenheiro há 40 anos, Tukumi faz uma comparação entre o solo de Curitiba e o da Região Norte do estado. Uma edificação que em Londrina precisa de uma estaca de dois ou três metros de profundidade, na capital exige pelo menos 12. A precaução está na hora de construir, o que os engenheiros estão habituados a fazer.

Trepidação faz bater portas e janelas

Dos 4,6 mil quilômetros de ruas de Curitiba, apenas 1,3 mil têm asfalto definitivo. Do restante, 450 quilômetros são de terra pura, 1.650 estão revestidos com antipó ainda não deteriorado e 1,2 mil têm antipó com a vida útil vencida entre 15 e 35 anos. Antipó é uma fina camada de asfalto muito esburacada ou irregular devido aos muitos remendos. É principalmente sobre esse tipo de pavimento, predominante nos bairros, que os veículos pesados causam tremores de terra ao passar em alta velocidade.

A Secretaria Municipal de Obras prioriza a pavimentação nas ruas por onde passa o transporte coletivo, nas ligações entre bairros, nas ruas onde há comércio intenso e equipamentos públicos, como escola, creche, hospital, escola. Nesses casos deveria haver asfalto, não antipó. Em última análise, as vias em melhores condições deveriam ser aquelas onde passam os ônibus, o que nem sempre acontece, como mostram algumas ruas de Santa Felicidade, da CIC e do Novo Mundo.

Numa extensão de 500 metros, as residências das quadras à esquerda e à direita da Rua Antônio Carlos Raimundo tremem a ponto de bater portas e janelas quando passa o ônibus da linha Santa Cândida-Santa Felicidade. Devido ao declive, os ônibus descem o trecho em alta velocidade, aumentando a intensidade dos tremores. No extremo oposto da cidade, outros exemplos são as ruas João Bonatt, no Novo Mundo, e Robert Redzinski, na Cidade Industrial de Curitiba. Todas são revestidas com antipó.

O antipó foi uma opção barata – e de cara manutenção, como se nota – de sucessivas administrações municipais. É barato, mas dura pouco – três anos, quando muito. Ele não tem meio-fio, não tem base adequada para suportar peso de carro e não tem esgotamento sanitário. Duas centenas de homens percorrem todos os dias as ruas da capital à caça de buracos. A prefeitura consome, em média, R$ 5 milhões por mês nas operações tapa-buracos. É como enxugar gelo, pois cada nova chuva deixa um lastro de crateras nos bairros.

No ritmo atual de substituição de antipó por pavimento definitivo, Curitiba levará 45 anos para asfaltar todas as ruas com antipó. O secretário municipal de Obras, Mário Tukumi, espera abreviar esse tempo com as duas máquinas que reciclam o antipó misturando-o com cimento para servir de base para o asfalto da própria rua. "Sou otimista, acho que dá para reduzir esse tempo pela metade", diz. Tanto otimismo conta, ainda, com acordos políticos entre a prefeitura e o governo do estado, que, segundo Tukumi, estão adiantados. "Acho que vamos ter boas novidades para o segundo semestre", disse sem adiantar detalhes.

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