Fernando Haddad, ministro da Fazenda: economistas se mantêm céticos em relação a cumprimento da meta fiscal no próximo ano.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Mesmo com a aprovação da maior parte de seu pacote de ajuste fiscal pelo Congresso Nacional, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mantém a incerteza entre economistas sobre o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024.

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A desidratação de projetos por parte de parlamentares e o risco de judicialização de medidas arrecadatórias jogam contra as projeções da equipe econômica para a melhora do quadro fiscal a partir do ano que vem. A desaceleração da economia deve agravar o cenário, limitando o crescimento vegetativo das receitas.

Analistas econômicos divergem em relação ao tamanho do rombo que o governo federal precisará cobrir, mas é praticamente consensual a inviabilidade de se equilibrar as contas no próximo exercício fiscal.

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Para encerrar 2024 com resultado primário neutro, o Ministério da Fazenda esperava assegurar R$ 168,5 bilhões em arrecadação adicional a partir de ações que dependiam do aval do Legislativo. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, estima que, desse montante, apenas R$ 48,6 bilhões devem ser garantidos.

Em um cenário mais pessimista, a entidade prevê uma arrecadação extra de apenas R$ 30,9 bilhões. Mesmo no panorama mais otimista, a receita subiria menos da metade do montante desejado pela Fazenda – R$ 70,1 bilhões, o equivalente a 42,4% dos R$ 168,5 bilhões necessários para zerar o déficit primário.

A consultoria Tendências calcula que as medidas de aumento de arrecadação aprovadas até agora garantem R$ 42 bilhões. Já o economista Felipe Salto, ex-secretário de Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, estima que a receita adicional ficará em torno de R$ 56,2 bilhões, ou um terço do que o governo tem programado.

No início de novembro, analistas consultados pelo Banco Central (BC) disseram considerar R$ 81 bilhões das medidas econômicas de Haddad em suas projeções de receita líquida do governo central para 2024. O montante, equivalente a 48,1% do almejado pelo ministro, refere-se à mediana das projeções de 90 economistas que responderam a questionário enviado pela autoridade monetária.

Para a IFI, a maior frustração para o governo deve vir da retomada do chamado voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), medida que garantiria à União mais R$ 97,9 bilhões no próximo ano, nos cálculos da pasta comandada por Haddad.

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A lei que devolve ao governo a prerrogativa de desempatar disputas no Carf, instância administrativa de litígios tributários, foi aprovada pelo Congresso no fim de agosto e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em setembro.

A IFI, no entanto, considera, em seu cenário base, a possibilidade de recolhimentos da ordem de apenas R$ 30,3 bilhões, cerca de 10% dos julgamentos favoráveis à União em 2018 e 2019, os dois anos imediatamente anteriores à mudança que retirou o voto de qualidade no Carf do governo.

“As decisões no conselho não constituem a última instância de julgamento, cabendo ao contribuinte discutir em juízo o crédito tributário que for mantido no órgão”, ressaltam os economistas da instituição.

“Com o retorno do voto de qualidade pró-Fisco, em caso de empate no julgamento, a cobrança é mantida, e a União pode cobrar judicialmente o contribuinte em caso de não pagamento dos tributos. Esse crédito fica inscrito na dívida ativa, o que pode afetar patrimonialmente o balanço da União. A situação não configura, no entanto, receitas primárias imediatas para o governo central”, explica o texto da IFI.

Outra receita que a instituição considera superestimada é a decorrente da aprovação da medida provisória (MP) 1.185, que altera regras sobre a incidência de PIS e Cofins sobre subvenções concedidas por estados por meio do ICMS. Avalizado pela Câmara dos Deputados, o projeto de conversão da MP foi votado e aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (20).

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A Fazenda espera arrecadar R$ 35 bilhões a mais com as alterações, que incluem o fim da isenção dos tributos federais sobre os incentivos estaduais utilizados para fins de custeio. A IFI, por sua vez, projeta apenas R$ 3,5 bilhões, ou 10% do montante esperado pelo governo.

Já a retirada do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins, fruto da MP 1.159, geraria um potencial arrecadatório de R$ 57,9 bilhões nas contas da equipe econômica, mas de somente R$ 5,8 bilhões no cenário base do órgão do Senado de acompanhamento das contas públicas.

“Os montantes considerados pela IFI se justificam em razão das elevadas incertezas associadas à materialização dessas receitas, tendo em vista estarem condicionadas à pacificação de teses jurídicas entre os contribuintes e a União”, justifica a entidade. “É grande a possibilidade de disputas judiciais em torno dessas teses e dos valores envolvidos.”

Ao passo que as propostas do governo correm o risco de frustrar as estimativas oficiais de arrecadação, medidas que elevam gastos ou reduzem receitas surgem como obstáculos adicionais ao ministro da Fazenda na perseguição à meta.

A derrubada do veto de Lula à prorrogação da desoneração da folha de 17 setores, por exemplo, deve impactar em R$ 10 bilhões o Orçamento da União para o ano que vem. A extensão do benefício a municípios custará outros R$ 9 bilhões em perdas de receitas, segundo cálculos de Felipe Salto.

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Salto, que hoje é economista-chefe da Warren Investimentos, calcula que o déficit primário do governo central deve ficar em torno de 0,95% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem. Já a IFI projeta um resultado negativo de 1,07% do PIB.

Entre os analistas consultados pelo BC para a última edição do relatório Focus, a mediana do resultado primário é de -0,8% do PIB. Conforme as regras do novo arcabouço fiscal, a meta fiscal ainda seria cumprida no próximo ano caso o resultado primário fique negativo em até 0,25% do PIB.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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