| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Ela foi importada dos Estados Unidos, onde o termo - antes associado a eventos históricos como a crise financeira americana de 1869 - passou a designar o dia seguinte ao Dia de Ação de Graças. Nessa data, as vendas com descontos atraentes proporcionavam o desencalhe de estoques, o início do comércio para o Natal e a migração das contas dos lojistas do vermelho (“red”) para o azul (entre os americanos, a expressão para estar no lucro é “in the black”), segundo uma versão popular.

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Chegou tímida ao Brasil, em 2010, e a desconfiança do consumidor chegou a gerar piadas como o apelido “Black Fraude”. Mas a Black Friday, que na próxima sexta-feira (29) terá sua décima edição brasileira, tornou-se um dos períodos mais esperados do ano para o comércio nacional e hoje é um fenômeno inegável no país em adesão de varejistas e prestadores de serviços, interesse do consumidor e números de vendas.

Segundo estimativa da Ebit, empresa do grupo Nielsen especializada em reputação e certificação de lojas on-line, as vendas do e-commerce brasileiro devem chegar a R$ 3,07 bilhões na Black Friday de 2019, o que representaria uma alta de 18% na comparação com o ano passado. O ticket médio deve ser de R$ 626, superior em 3% ao de 2018. Consumidores ouvidos pela Ebit apontaram eletrônicos (41%), eletrodomésticos (35%) e celulares (28%) como os itens mais desejados para o período este ano; 80% dos entrevistados aprovaram sua experiência na Black Friday de 2018, e destes, 76% citaram os preços mais baixos como principal motivo.

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Na Black Friday do ano passado, as categorias de produtos com maiores descontos médios, segundo o site Promobit, foram livros, eBooks e eReaders (em média 77% mais baratos), eletrodomésticos (51%) e informática (42%).

Ana Helena Szasz Barone, líder da Ebit/Nielsen, aponta que, após o começo tímido no Brasil, a Black Friday cresce em vendas sempre em dois dígitos por ano no país desde 2014. Ela destaca, contudo, que é uma evolução sem “oba-oba”, impulsionada pela busca do consumidor por otimizar gastos (reflexo também da crise econômica) e pela força do comércio on-line. “Aqui não é como nos Estados Unidos, onde a Black Friday é a sexta-feira após o Dia de Ação de Graças (feriado local comemorado na quarta quinta-feira de novembro), portanto, as pessoas têm tempo para ir às compras. E as vendas on-line facilitam as coisas no Brasil”, explica.

“O consumidor começou a ser fiscalizador. Não haveria esse crescimento se a comunicação não estivesse tão democratizada, e há também o acompanhamento pela mídia, para que quem entrasse (varejista) na Black Friday viesse comprometido a realmente oferecer vantagens para o consumidor”, afirma a líder da Ebit/Nielsen. “O consumidor não está acompanhando só a partir de dez, 15 dias antes: ele começa a acompanhar até três meses antes. Ele sabe o negócio que quer fazer, mas é claro que ainda sobra um espaço para as compras por impulso.”

No ano passado, a véspera e a Black Friday representaram 5% de tudo que o e-commerce brasileiro vendeu em 2018. “Houve varejistas que venderam 18 vezes mais do que num dia normal”, relata Ana Helena.

Rodrigo Chagas, coordenador do MBA em Marketing Digital da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), concorda que a consolidação da Black Friday no Brasil passa pelo crescimento do número de compras pela internet e pela maior conscientização dos consumidores.

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“Para o varejista, já é um dos principais momentos do ano, algo consolidado. O consumidor que mais acompanha são as pessoas que utilizam mais a internet, muitos já antecipam as compras de Natal, mas o brasileiro ainda está se acostumando, tem que ter um pé atrás. Embora os lojistas estejam no caminho e grande parte deles tente realmente oferecer descontos, outros têm má intenção, ainda tem muita ‘metade do dobro’ [na Black Friday]”, explica.

“O que acontecia é que antes o brasileiro não tinha muito o hábito da comparação de preços. Hoje, há muitas ferramentas para isso, que inclusive mantêm históricos de variação e permitem ver qual era o preço de determinado produto até meses antes”, aponta Chagas.

Adesão das lojas físicas à Black Friday é crescente

Apesar de a primeira Black Friday brasileira ter sido 100% realizada no e-commerce e da importância que as vendas on-line têm para a data, a adesão das lojas físicas é crescente. Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) feita em todo o país mostrou que 21% dos empresários do comércio e do setor de serviços pretendem participar da Black Friday deste ano; em 2018, 16% dos empreendedores dessas áreas fizeram promoções para o período.

“A expectativa é de uma adesão maior porque a economia brasileira está um pouco melhor e mais gente está podendo entrar na Black Friday e oferecer descontos. Mas é preciso lembrar que no Brasil ainda não é uma data madura, então provavelmente haveria aumento (pela base comparativa menor) mesmo que a economia estivesse parada”, explica Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, que destaca que o perfil das lojas e dos prestadores de serviços que participam da Black Friday está cada vez mais variado.

“O que acontece é que a Black Friday chegou diferente ao Brasil, começou no e-commerce, enquanto nos Estados Unidos sempre esteve mais voltada às lojas físicas, então o que vem ocorrendo nos últimos anos é uma adaptação ao jeito do brasileiro, tanto por parte do vendedor quanto do consumidor, e com formas de vender diferentes. Antes, havia muito enfoque nos eletrônicos, produtos de maior valor, e agora temos itens de ticket médio menor e maior participação do setor de serviços”, descreve a economista.

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Gláucio Geara, presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), diz que a entidade não possui levantamentos da evolução das vendas na Black Friday no estado, já que as empresas de e-commerce, responsáveis por grande parte da comercialização no período, estão espalhadas pelo Brasil. Mas ele destaca que há um crescimento ano a ano puxado principalmente pela adesão do varejo de pequeno porte às promoções.

“Nos primeiros anos, a Black Friday no Brasil foi concentrada nos grandes varejistas, mas recentemente o pequeno também foi atraído [pela data]. Em 2018, tivemos um crescimento exponencial com o pequeno varejista, todo mundo se apropriando da marca Black Friday, que não tem registro”, argumenta. “Tornou-se um período de antecipação das compras de Natal e de fortalecimento do e-commerce, e deixou de ser apenas na semana da Black Friday, semanas antes já se fala em descontos, e também depois.”

Em um momento em que a economia brasileira inicia uma recuperação, os períodos de concentração de descontos têm sido fundamentais para a melhora dos números do varejo, segundo Geara. “O que funcionou em 2019 foram as promoções, individualmente ou antes de datas festivas, para que a economia comece a se recuperar depois das dificuldades que tivemos nos últimos cinco anos”, ressalta. “Para a Black Friday, o varejista tem que apostar em divulgação e na seriedade no que é anunciado. Ainda vemos muitas empresas subirem preços na semana da Black Friday.”

Alerta: atraso na entrega e publicidade enganosa

Diretora-geral do Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Paraná (Procon-PR), Claudia Silvano diz que, apesar de a Black Friday não representar um grande número do total de atendimentos do órgão, “é sempre bom ficar de olho”. As reclamações mais comuns do período promocional no Procon-PR são demora ou entrega não realizada e publicidade enganosa.

“O consumidor tem que fazer a avaliação se precisa comprar ou não o produto nesse momento. Se precisa comprar, mas não tem dinheiro, tem que avaliar se vale a pena fazer financiamento. Não pode comprar por impulso. Está barato? Mas vai comprar só por isso? Atendemos muita gente endividada. É época de 13º salário, e é melhor usá-lo para colocar as contas em dia do que aumentar ou começar outra dívida”, recomenda. “No Brasil, estamos com tantos problemas que muitas vezes comprar aumenta a autoestima da pessoa. Mas é preciso lembrar que uma hora a conta chega, vai ter que pagar.”

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A diretora diz que as pesquisas para comparar preços, que podem ser feitas com ferramentas na internet, também devem em levar em conta as lojas físicas: “O off-line pode trazer boas surpresas para o consumidor”. Ela explica que há outra possibilidade de descontos: “Existe uma lei federal que permite preços diferenciados conforme a forma de pagamento. Se o pagamento em dinheiro gerar um desconto de 10%, vale a pena porque não tem investimento que dê esse retorno por mês”.

Outra dica essencial para compras on-line é utilizar apenas sites de confiança. “Tem muito site fake por aí. Desconfie daquela promoção que o seu tio mandou pelo WhatsApp. Não confie em link enviado por rede social”, aconselha Claudia.

Rodrigo Chagas, da PUCPR, alerta que as fraudes potencializadas pelos aplicativos de mensagens podem gerar dores de cabeça que vão além de o produto não chegar, como clonagens de cartões. “É uma movimentação que começa a acontecer em grupos privados, com muitos links fraudulentos. O consumidor precisa ficar atento ao histórico da empresa e verificar se o que está sendo ofertado não é algo absurdo, como 99% de desconto, como já vi por aí. Se a proposta parecer muito estranha, é recomendado entrar em contato diretamente com a empresa pelas mídias sociais ou nos canais de atendimento”, recomenda o professor.